domingo, 10 de outubro de 2010

A maravilha certificadora queima milhões em publicidade

Há sensivelmente um ano, tinha alertado para o facto de a Agência Nacional para a Qualificação (ANQ) criada para promover, coordenar e acompanhar a implementação do Programa Novas Oportunidades estar a gastar rios de dinheiro em publicidade. Agora, volvido mais um ano, e quando os governantes insistem em propagar a alegada crise e cortam a torto e a direito naquilo que na sua debilidade de discernimento são os privilégios da classe média, não é demais lembrar que em pouco mais de dois anos, a ANQ queimou mais de 13,6 milhões de euros (quase todos) em publicidade [Fonte: base de dados de ajustes directos] a uma iniciativa que pouco mais é que a passagem de certificados de competências a quem tem conhecimentos quase nulos na generalidade das matérias académicas.
Apache, Outubro de 2010

sexta-feira, 8 de outubro de 2010

A importância de ser...

«À saída do número cosmopolita que foi a conferência do nosso Primeiro na Universidade de Columbia, NY, sobre renováveis e variáveis, o ex-ministro Manuel Pinho, à saída da primeira fila, deu uma mini-entrevista à Lusa; foi reproduzida no "Público" e no "DN". Prefiro atribuir a pieguice e puerilidade da notícia a um subtexto irónico de jornalista de agência, caso contrário tratar-se-ia de jornalismo grotesco. Dá-nos conta de como "foi importante ser ministro cinco anos mas agora estou a adorar a minha vida em Nova Iorque". E continua por aí: o gabinete na Universidade de Columbia, onde é professor visitante, ou visiting professor em inglês técnico, tem uma óptima vista do oitavo andar sobre a zona norte de Manhattan. Os americanos são muito frugais nos hábitos e existe igualdade de tratamento social, ao contrário dos países da Europa do sul ("are you talking to me?"). Uma garrafa de vinho decente custa menos de 20 dólares. Levanta-se às 5 da matina para preparar as aulas. E teve a surpresa de ser convidado para ser docente do mestrado de renováveis pelo reitor da Universidade de Columbia, que lhe telefonou sem mais nem ontem no dia dos anos. Quer vir para NY? E foi. Uma vida adorável. Único problema: "Alguém tinha posto o seu telemóvel pessoal no silêncio e não encontrava uma forma de sair desta opção para pôr um toque bem audível no aparelho, numa altura em que já contabilizava seis chamadas não atendidas" (fim de citação). Como este país do sul da Europa não é constituído por parolos e como uma boa parte desses espertalhões também adorasse viver em NY, o ex-ministro Pinho recebeu uma carrada de comentários online: jocosos, odiosos e sérios com algumas verdades à mistura, devidamente noticiadas e que eu, como tantos parolos sulistas, não li. Juro que acreditei que o ex-ministro tinha mesmo sido convidado dada a sua proverbial esperteza em renováveis. E de renováveis também não percebo nada, pago-as, com o resto dos parolos, na factura da EDP. De resto, toda a gente acha que são muito boas para a saúde e o ambiente. O pior é que, curiosa de uns tantos comentários, fui pesquisar na Net, e pesquisando fui parar a uns blogues onde a discussão sobre renováveis e o seu custo me pareceu cientificamente descrita por gente que percebia do assunto; e onde fiquei a saber como é que o ex-ministro foi parar a NY. A EDP pagou. No "Jornal de Negócios online", uma notícia assinada por Helena Garrido deu-nos conta disso, a 13 de Agosto de 2010. A EDP fez uma doação de montante desconhecido à SIPA (School of International and Public Affairs) de Columbia, e criou um mestrado, um semestre em NY, uma cidade adorável, e um semestre no ISCTE em Lisboa, menos adorável, mas encantadora para estrangeiros e com vinho a menos de 20 dólares já que falamos nisso. Longe de mim comparar o meu desconhecimento do tema das renováveis com o know-how de Pinho nesta súbita especialidade sua, mas fiquei a saber, ao cabo de horas de pesquisa, que a factura desta nova forma de energia nos custa agora 700 milhões de euros. A ERSE, Entidade Reguladora Serviços Energéticos, descobriu uma coisa chamado défice tarifário, mais de 2000 milhões de euros, que tem de ser abatido em 2010 em 129 milhões de euros (notícia da TSF online). Neste défice tarifário, que ninguém sabe o que é exactamente, incluem-se os "custos das renováveis". E como vamos pagar o défice? Mais um euro nas nossas facturas em 2010; multiplicado por milhões é adorável. O preço do petróleo diminuiu e continuamos a pagar a electricidade cara. O consumo também diminuiu, adivinhem porquê: não há dinheiro dos parolos para pagar a fatura. A discussão fica interessante quando percebemos o logro das renováveis. Não como conceito mas modo de aplicação em Portugal. Descobri que a EDP Renováveis vende à EDP com lucro fabuloso e a EDP vende ao consumidor com mais lucro. Descobri que essa energia custa três a seis cêntimos a ser produzida e nós pagamos 17 cêntimos. Descobri que a EDP ultrapassou o máximo razoável de potência eólica instalada e que a exportação rendeu menos do que o custo; e descobri que o Sr. Primeiro-ministro, outro especialista de renováveis, instalou em S. Bento uma T. Urban, turbina eólica do INETI, que desde Novembro de 2007 teria produzido 8 Watt por hora, o que daria para alimentar uma lâmpada de poupança. Verdade ou mentira? A discussão é científica e mereceria ser investigada. Para sabermos quem são e o que são a chamada "máfia do vento" (promotores das eólicas, governantes, autarcas que recebem uma comissão) como lhes chama um ‘bloguer’ com formação na área e que é a favor das eólicas. Vou argumentar à Durão Barroso (não haverá aeroporto enquanto houver uma criança com fome): enquanto houver um velho que morra de frio no inverno, não deveria haver mestrados em NY nem Sócrates em inglês técnico. Temos de ter hábitos frugais. E cortar no vinho.»
Clara Ferreira Alves, na revista “Única” do “Expresso” do passado sábado

quinta-feira, 7 de outubro de 2010

“O mistério dos 400 milhões de euros desaparecidos”

“Tornou-se um falso dado adquirido na coreografia retórica em torno do défice, do aumento da despesa pública e daqueles a quem é útil apontar o dedo como causa da desgraça fabricada por incompetente governação. Embora o valor possa ter tido origem na máquina comunicacional do governo, rapidamente foi adoptado como bom por ‘experts’ da oposição para fazer passar a mensagem: o acordo entre o Ministério da Educação e os sindicatos de professores foi desastroso para as finanças públicas porque acarretou um encargo adicional de 400 milhões de euros. A falsidade é de tal maneira evidente, e desmontá-la é tão óbvio, que é trágico como consegue continuar a ser reproduzida, desde gente que demonstra a sua incapacidade técnica ou então a sua extrema credulidade, isto para não falar em outros casos que já raiam o foro do delírio patológico. Comecemos pelos números. De acordo com os números mais recentes, existirão cerca de 115 000 professores nos quadros do ME. Segundo quem diz que sabe, o acordo feito em Janeiro (atenção que o acordo foi para o ECD, nem sequer foi directamente sobre o modelo de avaliação, sendo que a estrutura da carreira impede progressões automáticas em dois níveis) teria implicado o tal encargo suplementar de 400 milhões de euros. Não vou prender-me sequer com a demonstração, ao nível micro, da falsidade da alegada progressão automática de todos os docentes. Vou apenas pela tentativa de desmontagem dos números. Mesmo que todos os professores tivessem progredido em função do acordo - o que já de si é totalmente falso -, cada professor teria direito a receber mais 3500 euros este ano, o que implicaria um acréscimo bruto de 250 euros mensais. Consultando qualquer tabela salarial percebe-se que a maioria das transições acontece abaixo dos 200 euros e algumas rondam apenas os 100 euros ilíquidos. Logo, gostaria de saber que contas foram feitas, pois a generalidade dos professores que subiram de escalão o fez por ter completado mais do que o tempo suficiente para transitar e outros que ainda nem progrediram, sendo que isso já estava previsto no OE para 2010. Mas há ainda a cronologia. E essa ainda é mais gritante na forma como desmente o que é afirmado. O acordo ME/sindicatos foi assinado em Janeiro de 2010. Quando PS e PSD acordaram o pacote de austeridade em Maio já se sabia qual o efeito desse acordo, que directamente era quase irrelevante, pois, como referi atrás, as progressões em virtude da avaliação de 2007-09 já estavam previstas no OE e as decorrentes da apreciação curricular intermédia são uma minoria. Logo, qualquer derrapagem entre Maio e Setembro não pode ser assacada a qualquer acordo com os professores, mas a uma de duas hipóteses principais: mistificação voluntária dos números em Maio ou pura incompetência técnica da equipa das Finanças. É como a história dos submarinos... já se sabe há muito o que custam. Qualquer derrapagem da despesa pública desde Maio, cuja origem o Governo não desvenda, não pode de modo algum ser atirada para as costas largas dos professores, por ser absolutamente inverosímil. Que o Governo, o maior partido da oposição e a miríade de opinadores e especialistas-satélite se prestem a repetir essa falsidade em público é uma absoluta vergonha. O que está em causa é que desde final de 2009, quando o PSD apoiou o Governo na não suspensão do modelo de avaliação, as progressões suspensas desde 2005 tinham de ser desbloqueadas para os professores avaliados e em condições há muito para progredir. E isso é anterior a qualquer acordo. Era bom que todos, sindicatos incluídos, o declarassem, a bem da verdade dos factos.”
Paulo Guinote, Professor do 2.º CEB, Doutorado em História da Educação, no “Público” da passada terça-feira

quarta-feira, 6 de outubro de 2010

"A república e os bananas"

«A 5 de Outubro de 1910 um bando de rústicos hasteou uma bandeira na varanda da Câmara de Lisboa e implantou, como se implanta um dente, a República. As baixas foram mínimas, e isso já incluindo os dois líderes revoltosos mortos horas antes por malucos (no caso do almirante Reis, tratou-se de suicídio). A resistência do regime anterior, atarantado, caduco e fatalmente "aberto", foi residual. O interesse do povo foi quase nulo. A bandeira em causa foi a do Partido Republicano, que contava com a simpatia de uns poucos milhares de lisboetas e o desprezo do resto do País. O País caiu assim, feito fruta, nas mãos dos rústicos, que se achavam iluminados por frequentar o Rossio e terem ouvido uns delírios em francês. Mesmo por comparação com os desvarios precedentes, estava inaugurada uma época de caos económico, totalitarismo político, perseguições religiosas e ideológicas, discriminação cívica, atentados regulares e geral atraso de vida. E imensa retórica progressista. A deposição da monarquia significou a troca do privilégio de classe pelo privilégio da falta dela, o que não sendo tão mau quanto soa não é tão bom quanto a propaganda oficial jura. A 5 de Outubro de 2010, o regime em vigor festejou, com tiques devotos, o centenário desse encantador período. Humor negro? Quem dera. Os senhores que hoje mandam nisto celebram a ascensão da I República porque, em larga medida, essa é a sua ascensão. O mofo jacobino e maçónico que tomou conta de Portugal há cem anos é o mofo que desde então sempre nos regeu, com uma longa interrupção para o mofo seminarista, igualmente conhecido por Estado Novo. Se entretanto Portugal mudou muito, quase nada se deveu ao esforço próprio. Nas últimas décadas, as dádivas e o crédito alheios emprestaram-nos o verniz de "modernidade" que disfarçou, mas não impediu, a falência iminente, a corrupção genética e a aversão à autonomia dos cidadãos. Os cidadãos, diga-se, também não ajudam, visto que assistem a tudo com a indiferença de há um século. Excepto quando lhes dá ou retira o amparo, as pessoas não pensam que o Estado e o poder sejam assunto seu. No fundo, e com relativa razão, habituaram-se a pensar que são assunto "deles". E "eles" festejam: a desgraça a que, perante a apatia geral e a impunidade, nos conduziram.»
Alberto Gonçalves, no “Diário de Notícias”

segunda-feira, 4 de outubro de 2010

O execrado

“Fora a gente sem nome que fez do PS um modo de vida, não há ninguém na política ou no jornalismo que se atreva a justificar o primeiro-ministro, José Sócrates. Não me lembro - excepto em ditadura - de nenhum homem público tão profundamente execrado. O desprezo e a hostilidade variam de tom e pretexto, mas Sócrates conseguiu unir Portugal inteiro contra ele. E não só por causa do PEC III, que infalivelmente nos levará à miséria (embora isso também conte). O que o cidadão comum detesta é a pessoa: a pessoa que ele exibe no Parlamento e no país. (...)”
Vasco Pulido Valente, no “Público” de ontem

domingo, 3 de outubro de 2010

Mais um seguidor do inimputável rosa

Depois de Sócrates ter anunciado (através do PEC III) mais um roubo às classes média e baixa, com ênfase nos funcionários públicos, o actual presidente da CIP, António Saraiva, ex-trabalhador da Lisnave e ex-sindicalista da UGT, aproveitou para mostrar de que é feito um oportunista sem escrúpulos, dizendo que em relação ao privado, "nalguns sectores de actividade expostos à concorrência internacional, deveriam produzir-se alguns cortes salariais". Claro que de gente com duas caras (como o feijão frade) se espera quase tudo, o que por vezes surge inesperadamente é esta distinta lata de vir a público, com o ar mais inimputável deste mundo, defender o incumprimento do Código do Trabalho.
Apache, Outubro de 2010

quinta-feira, 30 de setembro de 2010

Dom Sócrates I – A pérfida

«Acompanhado de um séquito de subalternos e repórteres (nem sempre se distinguem), o senhor primeiro-ministro visitou uma feira chamada Portugal Tecnológico, no Parque das Nações. Visto tratar-se do Dia Europeu sem Carros, o senhor primeiro-ministro chegou de transporte público: "Gosto muito de andar de metro e comprei bilhete de ida e volta", esclareceu. Depois, deixou-se transportar até à feira propriamente dita num, cito os jornais, "minibus eléctrico autoguiado", um carrinho da ‘bem portuguesa’ Siemens, que, em jargão de engenharia, o senhor primeiro-ministro definiu como "um elevador que anda na horizontal". Após o senhor primeiro-ministro contactar com outras invenções assim assombrosas, um grupo de crianças juntou-se-lhe de forma espontânea. O senhor primeiro-ministro, a que as crianças se referiram por "senhor presidente" ("Sua Alteza" seria na mesma adequado), aproveitou para uma troca informal de ideias no complexo domínio da informática: "Não acham que o Magalhães trouxe benefícios às escolas?" As crianças responderam que sim. "Não acham que o Magalhães vos prepara para trabalharem com as novas tecnologias de informação no futuro?" As crianças responderam que sim. "Não acham que o Magalhães vos ajuda a aprender?" O senhor primeiro-ministro respondeu: "Pois, eu também acho." Por fim, o senhor primeiro-ministro fez um discurso no qual aludiu ao papel do Governo e da sua pessoa no nosso crescimento científico e tecnológico, sem se esquecer de notar, com modéstia, que duas escolas nacionais (uma de uma aldeia na Lousada, outra nos Açores) se viram seleccionadas para integrar a lista das mais avançadas do mundo, escolha a cargo da Microsoft, que distingue e apoia a utilização das tecnologias de informação e comunicação na educação, e que está restrita a estabelecimentos de ensino de apenas 114 países. Igualmente presente na feira, o ministro Vieira da Silva lançou a vital questão: "Se não estamos aqui a falar de economia e do futuro de Portugal, estamos a falar de quê?" Por mim, do que o dr. Vieira da Silva e o senhor primeiro-ministro quiserem, embora suspeite de que não queiram falar da avançadíssima escola de Lamego eleita pela Microsoft no ano passado e encerrada pelo Ministério da Educação neste. Nem do Tomás. O Tomás, agora revelado pelo Expresso, não mostrava queda para a matemática, óbice que o levou a desistir dos estudos sem concluir o "secundário". Em 2009, inscreveu-se num Centro de Novas Oportunidades, onde frequentou os "módulos" de Saberes Fundamentais (?) e Gestão. Em curtos meses, conseguiu a equivalência ao 12.º. Hoje, encontra-se no curso de Tradução da Universidade de Aveiro e foi, em todo o País, o aluno com a melhor nota de candidatura: 20 valores. Convém explicar que a "média" do Tomás no liceu não pesou nas contas, limitadas a um exame de Inglês. A partir daqui as explicações tornam-se menos fáceis. Porque é que milhares de crianças insistem em perder anos no ensino tradicional para obter o que as Novas Oportunidades lhes dariam num instante? Porque é que não se saltam as Novas Oportunidades e se distribuem doutoramentos aos recém-nascidos? Porque é que a epopeia de modernidade e crescimento para que o senhor primeiro-ministro nos convocou termina invariavelmente em rábula cómica, na educação e no resto? Porque é que a realidade teima em contrariar a propaganda que vai na cabeça de D. Sócrates I e, se os céus tiverem misericórdia de nós?»
Alberto Gonçalves, no “Diário de Notícias” do passado dia 23

quinta-feira, 23 de setembro de 2010

Conflito de Culturas

“A luta entre os professores e o Ministério da Educação é um conflito de culturas e civilizações. Se permitirmos que o Ministério vença, os nossos netos serão selvagens.”
José Luiz Sarmento, autor do blogue “As minhas Leituras”

sábado, 18 de setembro de 2010

«Euroesclerose»?…

“Considerando que a Região Autónoma da Madeira não deve pactuar com aquilo a que se chama «euroesclerose», marcada por um ataque aos Valores que suportam a civilização europeia, consequência também das correntes auto-denominadas de «pós-modernismo». Considerando que não é possível, sob o ponto de vista da realidade cultural e da sua necessária pedagogia escolar, conceber a Europa e Portugal sem as bases fundamentais do Cristianismo. Considerando que, por tal, a laicidade do Estado não é minimamente lesada pela presença de Crucifixos nas Escolas e, pelo contrário, incumbe ao Estado laico dar uma perspectiva correcta da génese civilizacional dos povos, bem como dos Valores que suportam o respectivo desenvolvimento cultural. Considerando que os Crucifixos não representam em particular apenas a Igreja Católica, mas todos os Cultos fundados na mesma Raiz que moldou a civilização europeia. Não há, assim, qualquer razão para a retirada dos mesmos Crucifixos das Escolas, pelo que determino a sua manutenção. O presente Despacho vai para publicação no «Jornal Oficial» da Região Autónoma da Madeira e para execução pelo Senhor Secretário Regional de Educação e Cultura. Funchal, 14 de Julho de 2010. O Presidente do Governo Regional da Madeira, Alberto João Cardoso Gonçalves Jardim”
Apesar da frequência com que discordo do «Governador» da Madeira, apraz-me a rebeldia com que amiúde despacha «à vassourada» os devaneios fundamentalistas do continente e de Bruxelas. Neste caso específico, Jardim vai mais longe e «desrespeita» a decisão (ainda não transitada em julgado) do Tribunal Europeu dos Direitos Humanos (TEDH). Recordo que em 2009, uma italiana (depois de o Supremo lhe ter recusado a pretensão) recorreu aquele tribunal apelando a que fossem proibidos os crucifixos nas escolas do país. O TEDH deu-lhe razão tornando obrigatória a retirada dos crucifixos, decisão que vale, não só nas escolas italianas mas, em todas as escolas dos 47 países membros do Conselho da Europa (entre os quais se encontram todos os membros da União Europeia). Em Junho passado, 10 países membros do TEDH (entre os quais se contam: a Itália e a Grécia, berço das duas maiores religiões cristãs; e a Rússia, o país europeu com o maior número de cristãos) recorreram da decisão, acusando o Tribunal de atentar contra a liberdade religiosa. Quanto à moda «abichanada» do politicamente correcto (ditada por Bruxelas e seguida religiosamente pelo Governo Luso), parece que não irá «pegar de estaca» na Madeira enquanto Jardim por lá mandar. Goste-se ou não, Alberto João Jardim lidera a única oposição política visível em Portugal.
Apache, Setembro de 2010

quarta-feira, 8 de setembro de 2010

Acabou o Ensino Recorrente

A máquina destruidora em que o ME se transformou parece imparável
«“O Ministério da Educação determinou que não vão ser abertas novas turmas para os alunos que iam entrar para o ensino recorrente. Este modelo de aulas à noite que existia para adultos desde a década de 1980 não resistiu à concorrência das Novas Oportunidades e da Educação e Formação para Adultos”. Destinava-se esta espécie de ensino a ser frequentado nos turnos da noite por trabalhadores diurnos na satisfação de um percurso sério com igual frequência em número de anos lectivos e cumprimento programático idênticos aos do ensino realizado antes do pôr do Sol. Bem sei que as Novas Oportunidades não davam acesso directo ao ensino superior, mas logo surgiram as salvíficas provas de Acesso ao Ensino Superior para maiores de 23 anos que mandaram às urtigas o sério e exigente exame ad hoc em que o autodidactismo não era havido como prova de uma ignorância por conta própria, como escreveu o poeta brasileiro Mário Quintana. Cumpria-se, assim, o destino de um país em que não basta para o ego o desempenho de elevados cargos ao serviço da nação ou de “senador”. Havia que emoldurá-lo, quanto mais não seja, com o pergaminho de uma antiga licenciatura obtida em universidades privadas que foram obrigadas a encerrar por terem as suas rotativas a passar diplomas sem qualquer valor facial e que em pouco tempo lançariam o sistema do já fragilizado ensino superior para a bancarrota de um irremediável e total descrédito. Embora seja uso dizer-se que a história se não repete, não resisto em transcrever uma carta escrita por Ramalho Ortigão, no século dezanove, ao então Ministro do Rei, sobre o ensino secundário à época: “O estado em que se encontra em Portugal a instrução secundária leva-me a dirigir a Vossa Excelência o seguinte aviso: se a instrução secundária não for imediatamente reformada, este ramo do ensino público acabará dentro de poucos anos”. Sem curar da qualidade do ensino anterior ao ensino superior, temo que, tal como no tempo da Ramalhal figura, o caminho esteja aberto para a destruição do ensino secundário, um dos baluartes de um ensino que tem sabido resistir, até agora, a todas as tentativas de o fazer cair no descrédito de um ensino sem qualidade, sem exigência, sem reprovações que o torne em quantidade triste vanguardista dos dados comparativos da OCDE relativamente a outros países. Não é verdade que, na tradução de "abyssus abyssum invocat" , o abismo chama o abismo?»
Rui Baptista

segunda-feira, 16 de agosto de 2010

O “Magalhães”, a fraude pedagógica

“Aqui há uns tempos, os iluminados do Ministério da Educação decidiram que o passo que faltava na estrada dourada do progresso era a distribuição de computadores. Com um passe de mágica - financiado pelos contribuintes, claro está - transformaram todas as criancinhas da escola primária em orgulhosos proprietários de «personal computers». A igualdade material era o elemento que faltava para o sucesso trans-classista. O estado intervinha com uma prenda azul, e permitia que todos pudessem ser o Steve Jobs lá da rua. A bem da verdade, a tentação não foi exclusivamente portuguesa. Outros países aderiram ao mesmo raciocínio fácil: «distribuem-se computadores, brotam bons resultados». Entretanto, os factos vieram estragar esta utopia tecnológica. Recentemente, dois economistas de universidades americanas publicaram um estudo sobre o impacto dos computadores nos resultados escolares, focando-se em particular na Roménia. Conclusões? Miúdos que mexem em computadores ganham jeito para... mexer em computadores (ganham especialmente jeito para jogos, acrescente-se). Mas, atenção, as técnicas informáticas são apenas isso: técnicas. Se não souber escrever, se não souber raciocinar, um miúdo de 10 anos não sairá da cepa torta mesmo que seja o campeão mundial do «PowerPoint». Pior: o estudo indica que as crianças mais desfavorecidas, em regra com pais menos escolarizados, saem pior do experimentalismo educacional. No caso romeno, tiveram piores notas a matemática e à língua materna, agravando ainda mais o fosso que já as separava dos meninos de classe média. Com tudo isto, é de esperar que o Ministério da Educação tire a devida lição: experimentar com crianças em idade escolar é profundamente errado, e pode arruinar-lhes o futuro. Se uma criança não souber calcular um troco simples, não vai ser o computador a tratar disso por ela. O computador é uma «técnica», um «instrumento» que está a jusante. A montante está a «essência»: os conhecimentos, a capacidade de escrever, o raciocínio matemático. O «Magalhães» e afins são fraudes pedagógicas, porque metem o carro à frente dos bois.”
Henrique Raposo, no “Expresso” da semana passada

sexta-feira, 6 de agosto de 2010

Nós por cá, todos bem…

“Recentemente, ficámos a saber, através do primeiro estudo epidemiológico nacional de Saúde Mental, que Portugal é o país da Europa com a maior prevalência de doenças mentais na população. No último ano, um em cada cinco portugueses sofreu de uma doença psiquiátrica (23%) e quase metade (43%) já teve uma destas perturbações durante a vida. Interessa-me a saúde mental dos portugueses porque assisto com impotência a uma sociedade perturbada e doente em que violência, urdida nos jogos e na televisão, faz parte da ração diária das crianças e adolescentes. Neste redil de insanidade, vejo jovens infantilizados incapazes de construírem um projecto de vida, escravos dos seus insaciáveis desejos e adulados por pais que satisfazem todos os seus caprichos, expiando uma culpa muitas vezes imaginária. Na escola, estes jovens adquiriram um estatuto de semideus, pois todos terão de fazer um esforço sobrenatural para lhes imprimirem a vontade de adquirir conhecimentos, ainda que estes não o desejem. É natural que assim seja, dado que a actual sociedade os inebria de direitos, criando-lhes a ilusão absurda de que podem ser mestres de si próprios. Interessa-me a saúde mental dos portugueses porque, nos últimos quinze anos, o divórcio quintuplicou, alcançando 60 divórcios por cada 100 casamentos (dados de 2008). As crises conjugais são também um reflexo das crises sociais. Se não houver vínculos estáveis entre seres humanos não existe uma sociedade forte, capaz de criar empresas sólidas e fomentar a prosperidade. Enquanto o legislador se entretém maquinalmente a produzir leis que entronizam o divórcio sem culpa, deparo-me com mulheres compungidas, reféns do estado de alma dos ex-cônjuges para lhes garantirem o pagamento da miserável pensão de alimentos. Interessa-me a saúde mental dos portugueses porque se torna cada vez mais difícil, para quem tem filhos, conciliar o trabalho e a família. Nas empresas, os directores insanos consideram que a presença prolongada no trabalho é sinónimo de maior compromisso e produtividade. Portanto é fácil perceber que, para quem perde cerca de três horas nas deslocações diárias entre o trabalho, a escola e a casa, seja difícil ter tempo para os filhos. Recordo o rosto de uma mãe marejado de lágrimas e com o coração dilacerado por andar tão cansada que quase se tornou impossível brincar com o seu filho de três anos. Interessa-me a saúde mental dos portugueses porque a taxa de desemprego em Portugal afecta mais de meio milhão de cidadãos. Tenho presenciado muitos casos de homens e mulheres que, humilhados pela falta de trabalho, se sentem rendidos e impotentes perante a maldição da pobreza. Observo as suas mãos, calejadas pelo trabalho manual, tornadas inúteis, segurando um papel encardido da Segurança Social. Interessa-me a saúde mental dos portugueses porque é difícil aceitar que alguém sobreviva dignamente com pouco mais de 600 euros por mês, enquanto outros, sem mérito e trabalho, se dedicam impunemente à actividade da pilhagem do erário público. Fito com assombro e complacência os olhos de revolta daqueles que estão cansados de escutar repetidamente que é necessário fazer mais sacrifícios quando já há muito foram dizimados pela praga da miséria. Finalmente, interessa-me a saúde mental de alguns portugueses com responsabilidades governativas porque se dedicam obsessivamente aos números e às estatísticas esquecendo que a sociedade é feita de pessoas. Entretanto, com a sua displicência e inépcia, construíram um mecanismo oleado que vai inexoravelmente triturando as mentes sãs de um povo, criando condições sociais que favorecem uma decadência neuronal colectiva, multiplicando, deste modo, as doenças mentais. E hesito em prescrever antidepressivos e ansiolíticos a quem tem o estômago vazio e a cabeça cheia de promessas de uma justiça que se há-de concretizar; e luto contra o demónio do desespero, mas sinto uma inquietação culposa diante destes rostos que me visitam diariamente.”
Pedro Afonso, Médico psiquiatra, no “Público” do passado dia 21 de Junho de 2010

sábado, 31 de julho de 2010

O «subvivente»

“O eng. Sócrates considera demonstrado que não houve irregularidades no licenciamento ambiental do Freeport. Eu considero curiosa a forma como um instituto subsidiário do Ministério do Ambiente por ele chefiado recusou, em 1999 ou 2000, a construção de um cemitério municipal na zona que acabaria arrasada pelo outlet, dado que a construção "contrariava o espírito" (embora favorecesse os espíritos) da zona e "provocaria o aumento da densidade humana". O eng. Sócrates declara que as conclusões da Procuradoria-Geral no processo Freeport provam a "enormidade das calúnias" lançadas sobre a sua pessoa. Ou, digo eu, a razoabilidade das acusações lançadas sobre a Procuradoria-Geral, a qual, segundo os jornais, obstou a que os procuradores do Ministério Público sequer interrogassem o eng. Sócrates. O eng. Sócrates acha "extraordinário que ainda haja quem pretenda ver" na declaração dele "um exercício de vitimização artificial". Eu não acho. O eng. Sócrates espera que esta seja a última vez que fala no assunto. Embora sem convicção, eu também. Não é por o eng. Sócrates aguentar as sucessivas "cabalas" que teimam em manchar o seu excelentíssimo nome que se explica a respectiva sobrevivência política. Pelo contrário, ele sobrevive justamente à custa das "cabalas", cuja curiosa inconsequência judicial alimenta a aura de perseguido que tão bem explora. Da Independente ao Freeport, com passagem pela Cova da Beira, pelo apartamento lisboeta e pelos projectos da Guarda, a história dos mandatos do eng. Sócrates resume-se à história das trapalhadas que o perseguem. Infelizmente, as trapalhadas prejudicam a contemplação do resto, e o resto é a prodigiosa inaptidão do senhor primeiro-ministro para o cargo que ocupa. Sem as insinuações do Freeport e imbróglios afins e sem a "vitimização artificial" que se lhes seguiu, seriam flagrantes o desgraçado saldo político, económico e social destes cinco anos e meio e a horrífica factura deixada aos anos que virão. Assim, um número cada vez menor mas ainda significativo de cidadãos olha o eng. Sócrates e vê nele um resistente, o resistente à infâmia que finge ser e não o resistente à realidade que de facto é.”
Alberto Gonçalves, no Diário de Notícias de ontem

segunda-feira, 19 de julho de 2010

“- Foge cão que te fazem Barão! – Para onde, se me fazem Visconde?”

A propósito do programa “Novas Oportunidades” e do seu mais que previsível alargamento generalizado ao Ensino Superior, Universitário, Público (convém não esquecermos: as Escolas Superiores de Educação, a cirurgicamente extinta Universidade Independente, o Processo de Bolonha, etc., só para citar os casos mais óbvios) escrevia em tempos, no “Diário de Coimbra”, Rui Baptista, adaptando à circunstância Almeida Garrett: “- Foge gato que te dão o bacharelato! - Para que lado, se me fazem licenciado?” Acrescentando eu – É indiferente, pois no primeiro cruzamento oferecem-te o doutoramento!
Apache, Julho de 2010

quinta-feira, 15 de julho de 2010

Taras e manias (3)

Ernâni Lopes, ex-ministro das finanças, acha que a solução para a crise que ele e os amigos ajudaram a forjar, passa por reduzir em 15 a 20% os ordenados da função pública. Esta é a mesma ave-rara que em 2005 defendeu a redução de um terço dos funcionários públicos, no 3º país com menos funcionários públicos da União Europeia. É curioso que pela cabecinha dos nossos actuais e antigos dirigentes políticos, a redução da despesa não passe por cortar nos brinquedos caros (e absolutamente desnecessários) dos governantes, como o TGV ou o Novo Aeroporto de Lisboa, não passe sequer por reduzir o número e os vencimentos obscenos dos “fraquinhos no discernimento” (Rui Pedro, Zeinal, Mexia e outros) que o Governo coloca à frente de empresas com capitais parcialmente públicos, sanguessugas maiores do regime. É igualmente curioso que não se lembre de reduzir as despesas do Estado fiscalizando quem parasita em torno dos subsídios sem deles ter efectiva necessidade; que não se lembrem de parar com os milhões esbanjados em fetiches como o Plano Tecnológico e as obras da Parque Escolar (em muitos casos, desnecessárias). É ainda curioso que (quase) ninguém se lembre de pôr fim aos subsídios escandalosos às energias (ditas) alternativas (como a solar, a eólica ou a maré-motriz) várias vezes mais caras que as energias convencionais e que sobrevivem apenas graças ao milhões que o Estado lá enterra. É em suma curioso que pela cabecinha dos sem-escrúpulos que nos conduziram à actual situação financeira não passe a redução do número de fogueiras de vaidades onde é imolado o dinheiro dos contribuintes, antes se perpetue a obsessão com os parcos vencimentos dos funcionários públicos. O povo costuma dizer que cada maluco tem a sua mania, mas as taras obsessivo-compulsivas e persecutórias de actuais e ex-governantes vem adquirindo contornos que cada vez se tornam menos suportáveis.

segunda-feira, 12 de julho de 2010

Do Exame Nacional de FQ A – 1ª Fase (2010)…

Realizou-se no passado dia 22 de Junho, a 1.ª fase do Exame Nacional do Ensino Secundário, de Física e Química A, sobre o qual a Sociedade Portuguesa de Química se pronunciou declarando que no seu entender, “a parte referente à Química (…) não apresenta erros científicos.” Será caso para perguntar: o que entendem por “erros científicos”? E já agora, tal declaração restringe-se ao enunciado ou é extensível aos critérios específicos de classificação, onde se encontram pérolas como esta: “Os CFC são compostos quimicamente estáveis na troposfera” [parte da resposta sugerida, à questão 5.5], ou esta: “O azul de bromotimol e a fenolftaleína são adequados à detecção do ponto de equivalência, uma vez que as zonas de viragem destes indicadores estão contidas no intervalo de valores de pH que corresponde àquela variação” [parte da resposta sugerida, à questão 6.2.2]. Entretanto, na passada sexta-feira, ficámos a conhecer os resultados, constatando-se a inexistência de novidades. A disciplina mantém-se como aquela que apresenta a média nacional mais baixa (tal como vem acontecendo desde que foram abolidos os Exames Nacionais de Física e de Química no 12.º ano), caindo este ano para os 8,1 valores (8,5 para alunos internos, por comparação com os 13 valores da média das classificações de frequência) e o maior índice de reprovações, que este ano foi de 25%. Neste aspecto, enquanto os conhecimentos e as competências dos alunos, a Português e a Matemática, forem tão reduzidos, não há facilitismo que o salve a Física e Química A.
Apache, Julho de 2010

sábado, 3 de julho de 2010

A democracia que (não) temos

“O Expresso contou a história. Um tal Pedro Bento, 34 anos, foi nomeado em 2008 assessor do secretário de Estado das Obras Públicas e das Comunicações Paulo Campos, firme propagandista dos chips nas matrículas. Em 2009, o sr. Bento saltou para o cargo de administrador executivo da então recém-criada SIEV - Sistema de Identificação Electrónica de Veículos S.A., a entidade criada pelo Governo para gerir e, digamos, fiscalizar o processo de implantação de chips nas matrículas. Em 2010, o sr. Bento é o responsável em Portugal pela Q-Free ASA, a empresa norueguesa escolhida pelo Governo para vender por cá os chips das matrículas. Não sei onde o fulgurante sr. Bento estará em 2011. Sei que não estará na cadeia, dado que as consequências da revelação do seu percurso profissional foram zero. Antigamente, leia-se há seis meses, este tipo de notícias ainda produzia duas ou três semanas de indignação popular, o simulacro de um inquérito parlamentar ou a intenção de um processo judicial e, por fim, o esquecimento. Agora passa-se directamente para o esquecimento: a notícia aparece e, vinte minutos depois, já se viu jogada no arquivo morto da memória colectiva, nos dias que correm bastante mais atafulhado que o dos tribunais. O facto é que o povo desistiu de se maçar com as trapalhadas que envolvem, ou aparentam envolver, o eng. Sócrates e os vultos que o rodeiam. E faz bem. Na justiça, que o senhor procurador-geral considera das melhores da Europa, as trapalhadas invariavelmente dão em nada. Na política, invariavelmente dão em coisa nenhuma. A fase da indignação cria expectativas inúteis e constitui, em última instância, uma perda de tempo. A portentosa indiferença em curso é um sinal de maturidade democrática, naturalmente adaptada à democracia que temos.”
Alberto Gonçalves, no “Diário de Notícias” do passado domingo (27 de Junho)

segunda-feira, 28 de junho de 2010

“Aqueles que por obras valorosas se vão da lei da morte libertando”

Faleceu um dos mais conhecidos denunciantes portugueses da farsa científica conhecida por “aquecimento global antropogénico.” Engenheiro Electrotécnico, doutorado em meteorologia, ex-professor do Instituto Superior Técnico, autor do blogue “Mitos Climáticos” e co-tradutor para o português, do livro “A ficção científica de Al Gore” de Marlo Lewis Jr, Rui Gonçalo Moura, de 80 anos de idade, deixou ontem de estar entre nós. Foi através do seu blogue que tomei, há uns anos, conhecimento da real dimensão da propaganda em volta do mito mais difundido dos últimos tempos. Não conhecia pessoalmente o Eng. Rui Moura mas troquei com ele várias mensagens de correio electrónico, em alguns casos discordando dele [ele estava convencido que o dióxido de carbono é uma substância com um efeito de estufa relevante], e destaco a sua disponibilidade para o debate, apesar de o blogue não dispor de caixa de comentários, e a extrema correcção com que sempre se me dirigiu. Pelo contributo que deu à desmontagem do mito, pela lição de coragem e frontalidade, obrigado!
Apache, Junho de 2010

domingo, 27 de junho de 2010

Mais do mesmo (2)

“Os apoiantes de Pedro Passos Coelho sempre juraram que o homem representava uma nova forma de fazer política. Não duvido. O dr. Passos Coelho é o primeiro líder da oposição que, em última instância, não se opõe a coisa nenhuma. Cada medida absurda do Governo é recebida pelo actual PSD a cinco tempos: 1) Recusa (o PSD acha a medida inadmissível); 2) Negociação (o PSD pretende obrigar o Governo a discutir a medida e forçá-lo a revê-la de acordo com as suas exigências); 3) Confusão (o PSD lança para a imprensa um nevoeiro informativo acerca das suas pretensões e do desenvolvimento da discussão que mantém com o Governo); 4) Aceitação (o PSD proclama que o interesse nacional o levou a concordar com a medida inadmissível do Governo); 5) Vergonha (o PSD pede desculpa ao País). Numa democracia menos exótica, esta adaptação condensada dos 12 passos dos Alcoólicos Anónimos seria despachada logo que possível. Em Portugal, é um êxito. A julgar pelas sucessivas sondagens, as intenções de voto no PSD crescem em progressão geométrica. Enquanto isso, os socialistas, autores das exactas políticas que o PSD subscreve, estão em queda livre. Imagino que, para a semana, o eleitorado continuará a punir o PS por causa das Scut e dos chips nas matrículas e a premiar o PSD que, depois das típicas cambalhotas, acabará em sintonia com o Governo na questão (ou questões) das Scut e dos chips nas matrículas. Após cinco anos em sentido inverso, o povo decidiu que o eng. Sócrates é o responsável por todas as calamidades que se abatem sobre a nação. O dr. Passos Coelho, que há meses vem legitimando as calamidades, é um herói popular. Explicações? Não mas peçam. Talvez as desculpas do dr. Passos Coelho tenham tocado o coração das massas oprimidas. Talvez as massas andem tão cansadas do eng. Sócrates que o trocariam pelo Pato Donald ou por uma torradeira eléctrica. Talvez as massas sejam definitivamente malucas. Certo é que as massas querem o dr. Passos Coelho a primeiro-ministro, e só não vêem o desejo cumprido porque, pelos vistos, a nova forma de fazer política também implica evitar o poder a qualquer custo. A nova forma de fazer política ainda será política ou já entra na pura fraude?”
Alberto Gonçalves, no "Diário de Notícias", de hoje

sexta-feira, 18 de junho de 2010

Tantas vuvuzelas para tão pouco futebol

“A característica mais saliente do campeonato mundial de futebol da África do Sul é o facto de todos os jogos decorrerem dentro do reactor de um avião que está no meio de um engarrafamento de camionetas com a panela do escape rota, camionetas essas que levam dois milhões de lenhadores, cada um deles munido de duas motosserras. O espectador que arrisca acompanhar as partidas tem a sensação de estar uma hora e meia com uma varejeira do tamanho de um caniche junto de cada ouvido. Sendo que essas varejeiras também estão munidas de motosserras. Nesse sentido, o Costa do Marfim - Portugal principiou com uma falsidade: ao contrário do que os jogadores portugueses cantaram, não se sentia a voz dos egrégios avós. Em geral, não se sente a voz de ninguém, que as vuvuzelas não deixam. O que se perde em paciência ganha-se em aprumo disciplinar: muito dificilmente um jogador será expulso por palavras, na África do Sul. Os árbitros não ouvem insultos nem que o Placido Domingo lhos grite aos ouvidos. Talvez não seja mau passar a avaliar os países candidatos à organização do torneio, tendo em conta o seu instrumento nacional. Países em que haja apreço musical por tubas, violoncelos e pianos de cauda dão bons anfitriões. Tudo o que não possa ser transportado para a bancada de um estádio deve ser valorizado. Entretanto, apercebo-me de que fiz referência ao Costa do Marfim - Portugal e o leitor, se calhar, nem sabe que houve jogo. É tão raro haver uma notícia, um comentário, uma análise, um especial de quatro horas e meia sobre o Mundial que, quem não estiver com atenção, perde a maior parte das informações. Imagino o leitor a rebolar no chão, convulso de riso, por causa deste belo naco de ironia. Na verdade, é mais fácil uma pessoa esquecer-se de que o Natal calha a 25 de Dezembro do que ignorar que Portugal jogava com a Costa do Marfim no dia 15 de Junho. E a tensão em que esperámos pelo dia da estreia de Portugal no Mundial, a indignação com que vituperámos o ligamento que deixou de aconchegar a clavícula do Nani, a expectativa com que acompanhámos a partida do autocarro da equipa, o interesse com que seguimos a chegada do autocarro da equipa, o orgulho com que assistimos ao estacionamento do autocarro da equipa - tudo valeu a pena. Portugal não perdeu. E reduziu a Costa do Marfim à dimensão de Cabo Verde, que também já tinha humilhado com igual empate a zero bolas. Sobre o jogo propriamente dito, creio que não tenho qualificações para me pronunciar. Infelizmente, sou um rústico incapaz de captar as subtilezas do verdadeiro futebol de qualidade. Só para o leitor ficar com uma ideia de quão primária é a minha perspectiva sobre o jogo, devo dizer-lhe que prefiro aquelas partidas em que os jogadores fazem boas jogadas, no fim das quais enfiam mesmo a bola na baliza dos adversários. Já houve um tempo em que a selecção nacional jogava dessa forma bruta e pouco sofisticada mas, segundo me informam os especialistas, agora é que a equipa de Portugal está a ser treinada como deve ser. Por um professor, e tudo. No entanto, no fim do jogo, e antes de entrar no autocarro (cuja partida voltou a emocionar-nos) Deco criticou o estilo do futebol definido por Carlos Queirós. Nani já tinha deixado críticas implícitas e Ronaldo teve a desfaçatez de recordar Scolari, na última conferência de imprensa. Tudo isto se torna mais grave por ocorrer nas vésperas do nosso encontro com a Coreia do Norte. Será o embate entre a selecção do Querido Líder e uma equipa cujo líder é tão pouco querido. Pode ser perigoso.”
Ricardo Araújo Pereira, na “Visão” de ontem