sexta-feira, 23 de dezembro de 2011

“Era uma vez a confiança”

«A solução para os gravíssimos problemas que nos afectam é um empreendimento colectivo. Mas todos os empreendimentos colectivos falham se a sociedade não sentir confiança. As pessoas aceitam os sacrifícios se as convencerem de que eles resolvem os problemas. Confiança e reciprocidade são palavras-chave. Infelizmente, o Governo ignora-as.
Os portugueses estão mergulhados em sofrimento: famílias envergonhadas, lançadas numa pobreza com que nunca sonharam; velhos sem dinheiro para a farmácia; jovens sem horizontes de futuro; crianças com fome; professores sem escola; desemprego galopante; empresas falidas; assaltos violentos todos os dias. Tudo contemplado por um Governo incontinente nas nomeações políticas, imoral na distribuição de benesses, insensível, perito em abater, incapaz de erigir, que não gera confiança.
As alterações curriculares do sistema de ensino, já aplaudidas por alguns, são uma pantomina. São a evidência da boçalidade técnica dos que as propõem. A discussão pública que se segue já morreu, por uma questão de confiança metodológica. Gente séria e competente aborda o currículo assim: primeiro estabelecem-se as metas, isto é, o ponto de chegada dos alunos a ensinar; depois definem-se os programas que podem cumprir esses objectivos; e só no fim, obviamente, se fixam as cargas horárias adequadas. Mas o ministro começou por fixar já as horas para cada disciplina e a estrutura global. Chamou a isso a primeira etapa. Anunciou que a segunda será a definição das metas. E garantiu que só mais tarde reformulará os programas. Qualquer trapalhão não faria pior. O ministro não fundamentou. Achou! E eu acho que o ministro mentiu quando afirmou que a proposta de revisão curricular não foi feita "a olhar para orçamento". Porque qualquer cidadão minimamente informado sabe que dessa revisão jamais poderia resultar um acréscimo de despesa. Porque o orçamento não era uma variável. Era um determinante. O que vem a seguir é uma farsa. As metas e os conteúdos programáticos dependerão das horas já fixadas, vergando a pedagogia e as ciências à contabilidade, da qual a Educação é, hoje, mero adereço. Crato podia, ao menos, ter sido intelectualmente honesto. Não promovendo a discussão pública de algo cujos fundamentos ainda não foram estabelecidos. Não invocando pressupostos que nunca explicitou. Ele, que sempre falou da necessidade de reduzir a dispersão curricular no ensino básico, aumentou-a no 2º ciclo. Ele, que tinha a obrigação de acomodar a decisão errada de prolongar a escolaridade obrigatória até aos 18 anos com uma reorganização curricular do secundário, particularmente no que a vias técnicas e profissionais respeita, decidiu, apenas, uma mais que questionável quebra da carga horária no 12º ano (sem olhar ao orçamento, disse). Pediu contributos públicos. Aqui tem o meu. É pena que nenhuma televisão o confronte com alguém que lhe dissesse, na cara, o que a verdade reclama.
Tenho à minha frente duas cartas assinadas pela presidente do Conselho Directivo do Instituto da Segurança Social. Numa, a incompetente presidente comunica a um cidadão (a quem os serviços que dirige reconheceram, anteriormente, isenção legal de contribuir para a segurança social) que lhe foi fixada, oficiosamente, a obrigação de pagar, todos os meses, a quantia de 186,13 euros, por ter tido, em 2010, um rendimento de 600 euros. Na outra, da mesma bestial natureza, outro cidadão (com actividade legalmente suspensa e reconhecida como tal pela repartição de finanças da sua residência) é informado que a brincadeira a que a senhora preside lhe fixou uma mensalidade de 124,09 euros, por ter tido, em 2010, um rendimento de 3.975 euros. A primeira vítima pagaria 2 233,56 euros, por ter ganho 600. E a segunda pagaria 1 489,08, isto é, quase metade do que ganhou, o que, apesar de tudo, a torna credora da arbitrária generosidade oficiosa: 600, ganhos, pagam 2 233,56 mas 3 975, ganhos, “só” pagam 1 489,08. É público que foram emitidas milhares de cartas deste teor (outra, denunciada neste jornal, aplicava a mesma chapa de 186,13 euros a um falecido em 1998). Quando a leviandade desta sócia do CDS foi branqueada com uma referência simples “a erro que vai ser corrigido”, foi-se, definitivamente, a confiança no ministro que a tutela, correligionário da mesma agremiação.
O ministro da Defesa foi recentemente à Mauritânia assinar um acordo. Viajou de Falcon. O Falcon avariou. Outro Falcon voou com uma equipa técnica para reparar o primeiro. Quanto custou tudo isto? Para o cidadão que não esqueceu a demagogia da suposta poupança em viagens aéreas, de início de mandato, que acontece à confiança?
Primeiro foi o secretário de Estado da juventude. Agora, foi o próprio primeiro-ministro que instigou milhares de professores a emigrarem. Salazar exportava negros sem qualificação profissional para as minas de ouro da África do Sul. Passos Coelho quer exportar, para qualquer África, jovens qualificados, cuja formação custou milhões. Eis o Estado Novo do século XXI, a passos de coelho. Que vergonha nacional este baixar de braços, esta confissão pública de incapacidade e de desistência, num país fustigado por um saldo populacional em queda alarmante. Não se pode governar promovendo a depressão colectiva e formatando a cabeça dos cidadãos para um futuro de miséria. Tamanha cobardia política arrasta na lama a confiança dos portugueses.
George Orwell disse um dia que “ver o que está à frente do nariz requer uma luta constante”. Tanto maior, digo eu, quanto mais crescem os narizes dos políticos.»
Santana Castilho, no “Público” da passada quarta-feira

quarta-feira, 14 de dezembro de 2011

A cão danado todos atiram pedras

O ex-Primeiro-Ministro, agora estudante em Paris disse, há dias, que “as dívidas dos Estados são, por definição, eternas”. Não se pagam, “gerem-se". Afirmações destas não deveriam suscitar (significativos) comentários, primeiro porque são inatacáveis do ponto de vista técnico, depois porque são tão básicas que não é preciso ser estudante de economia para chegar a tão trivial conhecimento (qualquer aluno universitário de qualquer curso com uma cadeira de economia o deveria saber). No entanto, pasme-se, quase tudo o que é fazedor de opinião na nossa praça, políticos e ex-políticos incluídos, teceu críticas discordantes. Freitas do Amaral, ex-Ministro de Sócrates, com a capacidade contorcionista que se lhe conhece, veio dizer que se Sócrates acha que as dívidas não são para pagar “está explicado porque ele não se preocupou que Portugal tivesse cada vez mais dívidas". Freitas do Amaral distorce o espírito das afirmações de Sócrates pois quando este afirma que as dívidas se gerem, está implícito que essa gestão implica quer o pagamento dos juros, quer aumentos e diminuições do valor total da dívida, conforme as opções políticas do gestor da dita (o Governo, entenda-se). Pelo que, a interpretação de Freitas do Amaral, em sentido idêntico ao de muitas outras, se não está imbuída de má-fé é, no mínimo, resultante de uma má interpretação das palavras do seu ex-chefe. Valeu-nos ao menos o bom-senso de Passos Coelho, que perguntado à matéria respondeu com um despachado “acho que ninguém pode discordar”.
Note-se que considero Sócrates o pior (o mais impreparado e o mais arrogante) Primeiro-Ministro português, ainda que Passos Coelho me pareça empenhado em lhe arrebatar o título. E é claro que Sócrates agravou significativamente a dívida pública nacional, nos últimos anos da sua governação; aceitou empréstimos a juros pouco razoáveis e acabou nos últimos meses por cair na tentação dos sucessivos PEC, causa primeira da sua “queda”. Não contente com tal, celebrou com a “troika”, com a bênção dos actuais partidos do Governo, um acordo vergonhoso para os interesses económicos do país. No entanto, em minha opinião, o grande problema da gestão económica socrática não está na dimensão da dívida, antes no uso (muito mal) dado ao dinheiro que nos foi emprestado. Foram os estudos para os megalómanos projectos do TGV e do novo aeroporto, foram os (computadores) Magalhães, foram os milhões gastos na iniciativa Novas Oportunidades, foram as obras luxuosas da Parque Escolar, foram os milhões investidos em energias renováveis, foram uma série de (outras) parcerias público-privadas com contratos lesivos do interesse público, etc. Um manancial de esbanjamento em iniciativas que além de economicamente não lucrativas criam poucos (ou nenhuns) postos de trabalho.
O problema económico do país (à data em que o “inginheiro” começou a “disparar” PEC sucessivos) não era a dívida pública, de 169 mil milhões de euros, no final de 2010 [mais de dez vezes inferior à alemã; a nona entre os dezassete países da União Europeia que partilham o euro, quer em valor absoluto quer per capita (a quinta em percentagem do PIB)] que a banca internacional (via “troika”) se prestou “generosamente” a aumentar em suaves prestações (mais 78 mil milhões de empréstimo e mais 34,4 mil milhões de juros do dito) mas a incapacidade da economia gerar riqueza e postos de trabalho. Curiosamente, não contente com o valor da futura dívida e com o estado caótico da economia, o Governo tem optado por agravar ambos: o primeiro, com sucessivas emissões e venda no mercado de títulos de dívida (mais mil e cem milhões na semana passada) o segundo, debilitando ainda mais a economia por via dos cortes salariais e dos agravamentos dos impostos.
Apache, Dezembro de 2011

domingo, 4 de dezembro de 2011

Bunga-bunga

«Vão chegar mais oito mil milhões de euros. Para uns, são fruto do sucesso da execução do acordo com a troika. Para outros são um degrau na escada descendente da fatalidade que nos marca. Olhando para fora e para dentro, entendo melhor os segundos. A austeridade fez implodir num ápice, pela via eleitoral, os governos de três países: Irlanda, Portugal e Espanha. E aliada à necessidade de tranquilizar os mercados, testou, poupando o tempo e a maçada da ida às urnas, sem protestos visíveis e com êxito, o caminho perigoso de substituir sem votos os de outros dois: Grécia e Itália. Papademos, o chefe do executivo grego, veio do Banco Central Europeu e da Comissão Trilateral, de David Rockefeller. Tem por isso a confiança dos mercados. Monti, que chefia o governo italiano, conquistou-a enquanto comissário europeu. Ambos passaram pelo Goldman Sachs, como convém. Passos, obedecendo à troika e bajulando Merkel, esforça-se por merecê-la. Nenhum dos três tem, porém, legitimidade democrática para governar. Os dois primeiros por construção. Passos, por acção. Porque tudo o que prometeu e usou para ser eleito pôs de lado e incumpriu. Porque a política, como forma de melhorar a vida dos cidadãos, não é paradigma que o entusiasme. As desilusões e as evidências têm um efeito acumulativo, que afasta a esperança: vi, vezes suficientes, intervenções presidenciais que preteriram o direito dos cidadãos em benefício do desvario do poder; estou ferrado por sucessivas interpretações de juízes do Tribunal Constitucional, doutos que eles sejam, leigo que eu sou, mais concordantes com os interesses das áreas políticas que os indigitaram que com a Constituição que deviam defender; não confio num Parlamento que à saciedade já provou jogar um jogo e não servir um povo, votando como lhe ordenam. Tudo visto, a Democracia e o Estado de Direito estão em licença sabática. Resta que a quarta República lhe ponha cobro. Porque a mãe de todas as crises é a crise de um regime podre. De um regime de contabilistas, manobrado por maçons, irmãos da “Opus Dei” e jogadores da “opus money”. A fixação na contabilidade única está a gerar uma espécie de “bunga-bunga” governamental. O ministro da economia ainda consulta as resmas de gráficos e tabelas que trouxe do Canadá para decidir se caímos para os serviços, se retornamos às batatas e ao mar, ou se voltamos a esgravatar as entranhas da terra à procura de ferro, ouro, gás e petróleo. Com saudades de Manuel Pinho, vaticinou que “2012 vai certamente marcar o fim da crise”. O ministro das finanças faz com a banca a quadratura do círculo: aceita-lhe o liberalismo quando toca a especular e corre a protegê-la quando o jogo dá para o torto. Mantendo esfíngica serenidade, contenta-se com o anúncio da gestão da emergência: mais impostos, mais desemprego, mais afundamento da economia, mais cortes salariais, mais recuo das funções do Estado. Na educação não superior, um trio de múmias governantes afunda o futuro e soçobra incapaz ao CAPI, à ANC, ao PTE, às TIC, às AEC, ao PIEC, PIEF e PREMAC, aos EFA e aos CNO, siglas que não traduzo a bem da sanidade mental dos leitores, mas que designam parte da teia de esquemas e burocracias que não desenredam e tolhem a gestão das escolas. O ministro da pasta admitiu agora fechar escolas independentemente do número de alunos (até aqui o indicador era menos de 21) e disse estar “ a prever encerrar uma parte substancial das mais de 400 que sobraram” (aquelas cujo fim suspendeu no início do mandato). De resto, o corte na educação é tão colossal que nos devolve, em percentagem do PIB, ao clube dos subdesenvolvidos. Exceptuam-se, por crescerem, as verbas para o ensino privado e para as direcções-regionais de educação, cuja extinção foi anunciada, pasme-se. Face a fortes restrições orçamentais, centenas de alunos de comunidades emigrantes estão sem aulas de Português. O Governo pretende suprimir os cursos ministrados fora dos horários escolares. Se se consumar a iniciativa, porque é esta modalidade a mais frequentada, estaremos perante o quase desaparecimento do ensino da língua materna aos luso-descendentes. Só na Europa, estima-se que já tenham sido afectados metade dos cerca de 50 mil estudantes que existiam há um ano. O secretário de Estado do emprego contou no Parlamento uma anedota que fez rir os mais sorumbáticos: disse que o salário mínimo nacional (485 euros mensais) não é baixo. O secretário de Estado do desporto e da juventude, num assomo de patriotismo, convidou os jovens a zarparem do solo pátrio. O secretário de Estado da administração pública anunciou a intenção de mexer nas tabelas salariais dos funcionários públicos. O ministro Gaspar desmentiu-o e chamou-o de especulador público. Simbólicas e absolutas são, afinal, as palavras mágicas que o governante do discurso a 33 rotações soletrou ao retornado de Vancouver, perguntando-lhe, dizem, qual das três palavras não entendia: “não há dinheiro!” As mesmas que amocharam, conformada, parte da sociedade. Mas que começam a levantar outra parte, que rejeita a suspensão instrumental da Constituição e gritará nas ruas que não aceita o confisco de salários para que o Estado devolva a alguns o que perderam em especulações fracassadas e reponha no balanço da divida o que outros, impunemente, roubaram. Eis o óbvio moral que os ditadores de circunstância fingem não entender, esmagando direitos constitucionais e civilizacionais que tomam por privilégios e ignorando, quando não decretando novos, os verdadeiros privilégios.»
Santana Castilho, no “Público” do passado dia 23 de Novembro

terça-feira, 29 de novembro de 2011

Filhos e enteados

Os funcionários públicos que aufiram vencimentos ilíquidos acima dos mil (e cem) Euros não vão perder os subsídios de férias e de Natal?
Despacho 15296/2011 – Publicado no DR, 2ª série, de 11 de Novembro
“Nos termos e ao abrigo do artigo 11.º do Decreto -Lei n.º 262/88, de 23 de Julho, nomeio o mestre João Pedro Martins Santos, do Centro de Estudos Fiscais, para exercer funções de assessoria no meu Gabinete, em regime de comissão de serviço, através do acordo de cedência de interesse público, auferindo como remuneração mensal, pelo serviço de origem, a que lhe é devida em razão da categoria que detém, acrescida de dois mil euros por mês, diferença essa a suportar pelo orçamento do meu Gabinete, com direito à percepção dos subsídios de férias e de Natal. O presente despacho produz efeitos a partir de 1 de Setembro de 2011. 9 de Setembro de 2011. — O Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, Paulo de Faria Lince Núncio.”
Apache, Novembro de 2011

quinta-feira, 24 de novembro de 2011

A Dívida Pública na União Europeia (3)

Em valor absoluto
País
1 Alemanha 1,81×1012
2 Itália 1,56×1012
3 França 1,30×1012
4 Reino Unido 1,22×1012
5 Espanha 6,06×1011
6 Grécia 3,34×1011
7 Holanda 3,13×1011
8 Bélgica 2,92×1011
9 Polónia 2,81×1011
10 Áustria 1,77×1011
11 Portugal 1,69×1011
12 Irlanda 1,20×1011
13 Hungria 1,11×1011
14 Suécia 1,04×1011
15 Rep. Checa 7,49×1010
16 Finlândia 6,63×1010
17 Dinamarca 6,49×1010
18 Roménia 6,33×1010
19 Eslováquia 3,63×1010
20 Lituânia 1,61×1010
21 Eslovénia 1,38×1010
22 Bulgária 1,15×1010
23 Letónia 1,07×1010
24 Chipre 1,04×1010
25 Luxemburgo 5,96×109
26 Malta 5,20×109
27 Estónia 1,20×109
Total da UE 8,77×1012
P.S. Os valores apresentados foram calculados usando as estimativas da CIA correspondentes à Dívida Pública em dólares, convertidos para euros à taxa de câmbio do Banco de Portugal de 18 de Novembro de 2011.
A laranja, os países da União Europeia que aderiram ao Euro.
Apache, Novembro de 2011

terça-feira, 22 de novembro de 2011

A Dívida Pública na União Europeia (2)

Per Capita
País
1 Grécia 31 074
2 Bélgica 28 037
3 Irlanda 25 758
4 Itália 25 506
5 Alemanha 22 168
6 Áustria 21 517
7 França 19 934
8 Reino Unido 19 427
9 Holanda 18 557
10 Portugal 15 725
11 Espanha 12 962
12 Malta 12 732
13 Finlândia 11 993
14 Luxemburgo 11 847
15 Dinamarca 11 741
16 Suécia 11 412
17 Hungria 11 109
18 Chipre 9 269
19 Rep. Checa 7 347
20 Polónia 7 298
21 Eslovénia 6 876
22 Eslováquia 6 628
23 Letónia 4 855
24 Lituânia 4 563
25 Roménia 2 889
26 Bulgária 1 628
27 Estónia 936
P.S. Os valores apresentados foram calculados usando as estimativas da CIA correspondentes à população e à Dívida Pública em dólares, convertidos para euros à taxa de câmbio do Banco de Portugal de 18 de Novembro de 2011.
A laranja, os países da União Europeia que aderiram ao Euro.

P.S. 2 – Por lapso meu a Dívida Pública, per capita, da Lituânia aparecia nesta tabela com um valor dez vezes superior ao real, o que fazia com que este país liderasse o ranking da União Europeia. Corrigi o valor às 23:52 de 24 de Novembro de 2011.

Apache, Novembro de 2011

domingo, 20 de novembro de 2011

A Dívida Pública na União Europeia (1)

Em percentagem do Produto Interno Bruto
País % PIB
1 Grécia 142,7
2 Itália 119,1
3 Bélgica 100,7
4 Irlanda 94,9
5 Portugal 93
6 Alemanha 83,4
7 França 82,4
8 Hungria 80,2
9 Reino Unido 76,1
10 Áustria 72,3
11 Malta 67,8
12 Holanda 62,7
13 Chipre 60,8
14 Espanha 60,1
15 Polónia 52,8
16 Finlândia 48,4
17 Letónia 44,7
18 Dinamarca 43,7
19 Eslováquia 41
20 Suécia 39,7
21 Rep. Checa 38,9
22 Lituânia 38,7
23 Roménia 33,8
24 Eslovénia 33
25 Luxemburgo 19,7
26 Bulgária 16,2
27 Estónia 6,6
P.S. Os valores da Dívida Pública apresentados correspondem a estimativas da CIA, referentes ao final de 2010, sobre a totalidade dos empréstimos contraídos pelos governos centrais em nome dos respectivos Estados (não incluem dívidas das administrações locais nem de empresas públicas ou de capital misto (público e privado)).
A laranja, os países da União Europeia que aderiram ao Euro.
Apache, Novembro de 2011

segunda-feira, 14 de novembro de 2011

Uns têm outros não

No átrio do Tribunal de Aveiro, onde está a ser ouvido no âmbito do processo “Face Oculta”, Armando Vara é “pegado de cara” por um anónimo com a “coragem dos simples”.

Claro que todos preferíamos que cenas destas se não passassem nos átrios dos tribunais lusos, mas para isso era preciso que gentinha como Armando Vara fosse corrida da política. Claro que, juridicamente falando, Armando Vara goza (como qualquer cidadão) da presunção de inocência, neste ou em qualquer outro caso, até transição em julgado de sentença condenatória, mas em termos políticos há muito que Vara se incluiu, voluntariamente, num grupo de largas centenas de políticos que nas últimas décadas substituíram a máxima da causa política de “servir o povo” por “servir-se do povo”, todos eles, cedo ou tarde, serão politicamente sentenciados pela “vox populi”. E enquanto sujeitinhos como Vara fizerem da política a porca que Bordalo Pinheiro imortalizou, cidadãos como o do vídeo são colírio para os olhos do povo.

segunda-feira, 7 de novembro de 2011

A “socratização” do país (2)

«"Há um limite para os sacrifícios que se podem exigir aos portugueses."
Pedro Passos Coelho, 23 de Março de 2011
"E eu vou descobrir qual é."
Pedro Passos Coelho, 17 de Outubro de 2011
Ufa! Que sorte. Portugal livrou-se de um primeiro-ministro que dava o dito por não dito, faltava às promessas e impunha sucessivas medidas de austeridade, cada uma mais dura que a anterior. É bom olhar para trás, recordar esses tempos longínquos e suspirar de alívio. Para o substituir, os portugueses escolheram um primeiro-ministro que dá o dito por não dito, falta às promessas e impõe sucessivas medidas de austeridade, cada uma mais dura que a anterior. Trata-se de um conceito de governação tão diferente que, por vezes, parece que estamos a viver num país novo. Quem vive em democracia tem de estar preparado para estas mudanças radicais. Sócrates usava, normalmente, gravatas de tom azul, enquanto Passos Coelho prefere os verdes e os ocres. No entanto, depois de um período de adaptação, os portugueses habituaram-se rapidamente à principal mudança política das duas legislaturas. Em abono da verdade, deve dizer-se que o povo português, embora seja dado a escolhas muito diferentes, de eleição para eleição, tem uma notável capacidade de se adaptar à nova conjuntura política. Repare-se, a título de exemplo, no que acontece com o estilo de Vítor Gaspar, e no modo como os portugueses o aceitaram sem pestanejar - até porque se torna bem difícil pestanejar quando se ouve o ministro das Finanças. Vítor Gaspar tem, como é óbvio, aptidões em várias áreas do saber, embora nenhuma delas seja, ao que parece, a economia ou as finanças. Trata-se de um homem evidentemente versado em hipnotismo e encantamento de serpentes. Cinco minutos a ouvir Vítor Gaspar e o contribuinte começa a sentir-se com sono, muito sono. É nessa altura que percebe que a carteira começa a sair-lhe do bolso, ao som da voz encantatória do ministro. Seduzida pelo magnetismo animal de Gaspar, a carteira abandona o nosso bolso e dança até ao Ministério das Finanças, onde deposita os subsídios de férias e de Natal. Depois, regressa à nossa algibeira, para reabastecer. Gaspar, o encantador de carteiras, já demonstrou ter capacidade para fazer este truque todos os anos. Mas o povo, sempre pérfido, prepara-lhe uma partida cruel: a tendência maldosa do trabalhador português para o desemprego e o trabalho precário levará a que, em breve, não sobre quase ninguém a beneficiar de 13º mês. Lá terá o governo de nos levar o décimo segundo.»
Ricardo Araújo Pereira, na “Visão” da passada semana

sábado, 29 de outubro de 2011

Trocámos um mentiroso compulsivo por outro

«Ricardo Santos Pinto, do blogue “Aventar”, prestou-nos um serviço cívico: recolheu em vídeo [acima] afirmações e promessas de Pedro Passos Coelho, enquanto candidato a primeiro-ministro. O cotejo desse impressivo documento com as medidas tomadas pelo visado, nos curtos quatro meses de poder, evidencia o colossal logro em que os portugueses caíram. Se em quatro meses a sua acção é pautada por tanto despudor e falta de ética, que sobra à nação para lhe confiar quatro anos de governo?

O orçamento do Estado para 2012 é bem mais bruto que o tratamento “à bruta” que Passos Coelho recriminou a Sócrates, no vídeo em análise. Aí se consagra, com uma violência desumana, o que Passos Coelho disse que nunca faria: confisco de quatro meses de salários aos servidores públicos e reformados; fim de deduções fiscais; aumento de impostos, designadamente do IRS e IVA. Ao embuste ardilosamente tecido em ano e meio de caça ao voto acrescenta-se a falácia com que se justifica o assalto aos que trabalham. Com efeito, muito mais que a invocada má gestão das contas públicas no primeiro semestre, da responsabilidade de Sócrates, pesa a irresponsabilidade da Madeira e o caso de polícia do BPN. Na primeira circunstância, ocultando manhosamente o plano de ajustamento, antes das eleições, Passos Coelho protegeu Jardim e escamoteou quem saldaria o escândalo. Sabemos agora que são os funcionários públicos e os pensionistas. Na segunda, enquanto os responsáveis pelo tenebroso roubo permanecem impunes, os contabilistas que governam venderam o BPN ao desbarato, limpinho das dívidas colossais. O povo vai pagar e pedem-lhe agora que não bufe, por causa dos mercados.

Passos Coelho manipula grosseiramente os factos quando afirma que a média salarial da função pública é 15 por cento superior à dos trabalhadores privados. Ele sabe que a qualificação média dos activos privados é bem mais baixa que a homóloga pública, onde trabalham, entre outros técnicos de formação superior, milhares de médicos, professores, juízes, arquitectos, engenheiros e cientistas. Para que a comparação tenha validade, há que fazê-la entre funções com idênticos requisitos académicos. A demagogia não colhe. Como não colhe o primarismo de dizer que não estendeu o corte dos subsídios aos privados porque o Estado não beneficiaria, mas sim os patrões, que pagam os salários. Esqueceu-se de como fez com o corte deste ano? Ou toma-nos por estúpidos?

O orçamento esconde-se cobardemente atrás da troika para invocar a inevitabilidade das suas malfeitorias. Mas vai muito para além do que ela impõe e expõe a desvergonha da ideologia que o informa: quando revê a Constituição da República por via contabilística; quando poupa, sem escrúpulos, os rendimentos do capital e esquece os titulares das reformas por exercício de cargos públicos, numa ostensiva iniquidade social; quando permite que permaneçam incólumes os milhões que fogem ao fisco; quando compromete, sem réstia de tacto político, a solidariedade entre os cidadãos, pondo os que trabalham no sector privado contra os que trabalham no sector público; quando, atirando o investimento na Educação para o último lugar da União Europeia, ao nível dos indicadores do terceiro mundo, não só não desce o financiamento do ensino privado como o aumenta em nove milhões e 465 mil euros; quando, depois de apertar como nunca o garrote à administração pública, aumenta quase quatro milhões de euros à rubrica por onde pagará pareceres e estudos aos grandes gabinetes de advogados e outros protegidos do regime (Sócrates contentava-se com 97 milhões, Passos subiu para 100,7 milhões); quando, impondo contenção impiedosa nas áreas sociais, inscreve 13 milhões e meio para despesas de representação dos titulares políticos; quando, numa palavra e apesar do slogan do “Estado gordo”, apenas emagreceu salários e prestações sociais, borrifando-se nas pessoas e no país e substituindo o critério do bem comum pelo critério do bem de alguns.

Incapaz de ajudar o país a crescer, Passos tomou a China por modelo e acreditou que sairemos da fossa com uma economia repressiva e de salários miseráveis. Refém que está e servidor que é de grupos económicos e interesses particulares, Passos Coelho perdeu com este orçamento a oportunidade de resgatar o Estado. Ministério a ministério, não se divisa qualquer programa político redentor. Não existem políticas sectoriais. Se Passos regressasse à protecção de Ângelo Correia, Álvaro a Vancouver e Crato ao Tagus Park, Gaspar, só, geria a trapalhada que tem sido tecida de fininho. Recordemo-la. Em Maio passado, o memorando de entendimento que o PS, PSD e CDS assinaram com a ‘troika’ consignava para 2012 cerca 4.500 milhões de euros de redução da despesa e cerca 1.500 de aumento da receita (leia-se impostos). Apenas três meses volvidos, o documento de estratégia orçamental do Governo para o período de 2011 a 2015 já aumentava os números de 2012: a redução da despesa pública crescia quase 600 milhões e as receitas a cobrar aumentavam quase 1.200, pouco faltando para a duplicação do número antes considerado. Foi obra, em três meses. A meio de Outubro, novo documento oficial reiterava os números anteriores. Mas eis senão quando, escassos dias volvidos, surge o orçamento, que passa a redução da despesa, em 2012, para quase 7.500 milhões e fixa o aumento de impostos em cerca de 2.900 milhões. Diferenças colossais em documentos oficiais, com quatro dias de premeio, merecem a confiança dos contribuintes? Com a classe média a caminho da pobreza e os pobres a ficarem miseráveis, a esperança morreu. Definitivamente. Bastaram quatro meses. Esperemos que o país acorde e se mobilize.»

Santana Castilho, no “Público” da passada quarta-feira

quarta-feira, 26 de outubro de 2011

Do acordo “horto-gráfico”… (3)

«Estou a ficar velho, mas a culpa não é minha. O corpo cria poucos cabelos brancos, ainda menos rugas e quase nenhuma pança, e a mente consegue manter-se imatura sem esforço nenhum. Estou a ficar velho por causa do acordo ortográfico. Aos 37 anos, sou um daqueles velhinhos que teimam em escrever "pharmácia" porque no tempo deles era assim. Bem sei que é cedo demais para estas teimosias, mas resisti até onde pude. Eu tentei não ser reaccionário. Não tentei com muita força, mas tentei. Continuei a escrever como sempre, mas os revisores da Visão tinham depois o trabalho de corrigir o texto de acordo com a nova ortografia. Vou pedir-lhes que deixem de o fazer. Eu sou do tempo em que se escrevia "recepção". Não adianta fingir que sou do tempo em que se escreve "receção" para nos aproximarmos dos brasileiros - que, curiosamente, vão continuar a escrever "recepção".
O leitor quer saber porque é que este acordo ortográfico é absurdo, do ponto de vista linguístico? Então leia um linguista, que já vários se pronunciaram sobre isso. Comigo não conta para erudição, como sabe. Eu li os linguistas, mas quem me convenceu a ser contra o acordo foi a minha avó - que só tinha a terceira classe. "Ui, vem aí digressão biográfica", pensa o leitor. "E mete avós pouco instruídas, que acabam sempre por ser as mais sábias", continua, já um tanto impertinentemente. Tenha calma, não é uma enfadonha história de sabedoria anciã. É uma enfadonha história de amor ancião. Nos anos decisivos da minha vida, passei muito tempo em casa da minha avó, que não era, digamos, uma pessoa exuberantemente afectuosa. Não era dada a beijos e abraços. Sucede que, talvez por isso, eu também não sou uma pessoa exuberantemente afectuosa. Também não sou dado a beijos e abraços. Quando quero explicar a uma pessoa que gosto dela, tenho de recorrer a outros estratagemas. A minha avó cozinhava. Ou esperava por mim à janela. Eu digo coisas. Deu-me para isto. Faço tudo o que é importante com palavras, porque não sei fazer doutra maneira. Acho que foi isso que me atraiu na actividade de fazer rir as pessoas: trata-se de provocar uma convulsão física nos outros - mas sem lhes tocar. O Marquês de Sade gabava-se de produzir este e aquele efeito nas senhoras. Sim, mas a tocar também eu. Gostava de ver o sr. Sade fazer com que alguém se contorcesse sem contacto físico.
Dito isto, eu estou preparado para que as palavras se alterem, para que a língua mude. Em português, temos a palavra "feitiço". Os franceses, que não podem ver nada, levaram-na e transformaram-na na palavra "fetiche" (quem mo disse foi o professor Rodrigues Lapa). Nós voltámos a ir buscá-la, e agora usamos feitiço para umas coisas e fetiche para outras. Portanto, a língua mudou e mudou-nos. Ter fetiches é diferente (e mais compensador) do que ter feitiços. Mas a ordem certa é esta: a língua muda, e depois muda-nos. Não somos nós que mudamos a língua na esperança de que ela nos mude da maneira que queremos. Se o objectivo é aproximarmo-nos dos brasileiros, aproximemo-nos dos brasileiros. Logo se verá se a língua resolve aproximar-se também.
Claro que isto são rabugices de leigo. As rabugices de linguista têm mais valor, evidentemente. Mas o leitor também rabujaria se um acordo internacional o obrigasse a abraçar de outra forma, ou a beijar de modo diferente. "Recepção" escreve-se com "p" atrás do "ç". É assim porque o "p" provoca uma convulsão no "e" - sem lhe tocar. E eu tenho alguma afeição por quem consegue fazer isso.»
Ricardo Araújo Pereira, na “Visão"
Nota: Os textos, do R.A.P., aqui replicados (aliás, como os demais textos) respeitam (ou pelo menos tentam) o acordo luso-brasileiro de 1945.

segunda-feira, 24 de outubro de 2011

A "socratização" do país

Passaram mais de quatro meses desde a tomada de posse do Governo que PSD e CDS formaram, na sequência dos resultados das últimas eleições. No entanto, a cada dia que passa se fica mais com a sensação que é o Zé (ou um seu clone) quem continua à frente dos destinos do país.
Começou por ser Nuno Crato (o actual Ministro da Educação) quem, após ter criticado fortemente o modelo de avaliação de professores e dito que era necessário mais rigor, exigência e disciplina na sala de aula, a única coisa que conseguiu (até ao momento) foi aprovar um modelo de avaliação de professores que se distingue do anterior (fundamentalmente) pela periodicidade da atribuição formal de classificação, que passou de 2 para 4 anos. Quase tudo, o resto, permanece “na gaveta”. A Parque Escolar parece ir escapar incólume à auditoria imposta; o Programa Novas Oportunidades tem uma cara nova na liderança mas não se sentem (para já) alterações ao fedor; o rigor, a exigência e a disciplina parecem ser palavras afastadas nos novos dicionários feitos à medida do “acordo horto-gráfico”. Em matéria de educação, a montanha pariu um crato.
No que se refere aos restantes elementos do Governo, as diferenças face aos anteriores, se existem, não são fáceis de encontrar. À semelhança do que se passara nos últimos meses da era “rosinha”, só o Ministro das Finanças e o Primeiro-Ministro parecem exibir prova de vida. O primeiro, tal como o seu antecessor, para anunciar PEC’s sucessivos; cortes na despesa (ou melhor, em algumas despesas) meramente cosméticos e principalmente subidas de impostos, algumas, como os cortes nos subsídios de férias e de Natal dos funcionários públicos, dando a entender que o texto constitucional, em casa do doutor Gaspar, é impresso em papel Renova de folha dupla. O segundo, tal como era habitual no bichano de Vilar de Maçada, a limitar as suas funções às viagens ao estrangeiro para o tradicional beija-mão à imperatriz germânica e às tradicionais “tiradas” para as televisões, entre a mentira e os ataques de idiotice compulsiva, como por exemplo quando disse que os funcionários públicos veriam (nos próximos dois anos) os seus vencimentos reduzidos em cerca de 14% porque havia um estudo que demonstrava que ganhavam mais 15% que o privado (estudo que o Zé já tinha usado em tempos (igualmente com as conclusões devidamente distorcidas) para justificar o ódio que os tolos costumam cultivar ante os servidores do Estado. Claro que Passos Coelho, como antes Sócrates, poderiam ter percebido que no sector público cerca de 45% dos funcionários são (no mínimo) licenciados e que no privado esse número ronda os 13%. Mas se conseguissem perceber isso teriam sido colocados a dirigir os destinos do país?
Apache, Outubro de 2011

sexta-feira, 14 de outubro de 2011

Abriu a caça ao funcionário público

Ontem, o Primeiro-Ministro anunciou que em 2012 e 2013 cortará o Subsídio de Férias e o Subsídio de Natal aos funcionários públicos que ganharem mais de 1000 euros e o equivalente a um destes complementos aos restantes funcionários públicos. Não sei se Passos Coelho sabe (oscilo entre a incompetência e a actuação a soldo) que este tipo de medidas, além de profundamente injustas porque abrangem “apenas” 700 mil dos quase 5 milhões de empregados são, acima de tudo, recessivas, provocando uma diminuição da riqueza produzida e a necessidade de, a curto prazo, se contraírem mais empréstimos, pois sem um aumento significativo da produção não há dinheiro para satisfazer os compromissos assumidos com os credores. Passos Coelho parece querer penalizar os funcionários públicos pelos sistemáticos erros de governação cometidos pelos governos anteriores, sobretudo, após a adesão à União Europeia.
Em jargão popular diz-se que abriu (de novo) a caça ao funcionário público. Ora, como os governantes são, também eles, funcionários públicos, julgo correcta a interpretação de que a intervenção de ontem, do Primeiro-Ministro, mais não é do que a declaração oficial da abertura da caça ao membro do Governo.
Apache, Outubro de 2011

quarta-feira, 12 de outubro de 2011

A praga ‘eduquêsa’ no ensino da Biologia

A propósito de um texto de Helena Damião, no blogue “De Rerum Natura”, sobre a qualidade (ou a sua ausência) dos manuais de Inglês, o professor de Biologia, Miguel Marques, comenta:
“Nos manuais de Biologia é o regabofe modernaço de manipulação política disfarçada de ciência. Mas a culpa é de quem elabora os programas. Eu conheço pessoalmente alguns desses aleijados politicamente correctos. Dominam a linguagem hermética do eduquês, mas no fundo são uns "doutores" completamente ignorantes.
No programa do 12º Ano, a pseudo-ciência reina.
Os alunos começam a ser doutrinados com os problemas de reprodução e bebés proveta, passam de imediato para o instituto de oncologia, onde estudam oncogenes e anticorpos monoclonais, (matérias marginais mesmo para quem quer entrar em Medicina); depois para o programa político da Green Peace, com especial destaque para a ideia peregrina da sustentabilidade, sem o mínimo de reflexão sobre o que significa a sustentabilidade e sobretudo como se pratica a sustentabilidade.
No fim, estudam uma ETAR que só pode servir para depurar esta porcaria de programa. Valha-nos isso!
Os alunos entram na Universidade sem saber o mínimo de Botânica, Zoologia, Teoria de Evolução, Embriologia, Sistemática, etc.
A maioria dos professores são incapazes de perceber, que mais do que um programa de Biologia, estão a reproduzir inconscientemente um programa político radical.”
Apache, Outubro de 2011

quarta-feira, 5 de outubro de 2011

O que é o ‘eduquês’?

No seu blogue, o professor Ramiro Marques explica, de forma simples mas (ou talvez por isso) muito eficaz, o que é o ‘eduquês’. Vale a pena ler:
“O ‘eduquês’ é uma ideologia pedagógica parida no ventre da esquerda pós-moderna com adeptos à esquerda e à direita. Expressa-se numa retórica que faz da mudança permanente a missão da escola.
Alimenta-se da suspeição a tudo o que possa ser conotado com a escola tradicional, vista pelos ideólogos do ‘eduquês’ como repressiva, castradora e elitista. Afirma-se em oposição a ela. Deixa-se contaminar pelas ‘ecotretas’ e pela "religião do clima". Manifesta uma crença quase religiosa no poder que as tecnologias têm de transformar o ensino. Agarra-se a tudo o que é novidade pedagógica e quanto mais exótica e improvável a novidade maior a militância com que é acriticamente defendida.
O ‘eduquês’ é uma forma de acriticismo pedagógico. Esgota-se na forma, anula o conteúdo. Desvia o professor das funções letivas, esmaga-o com tarefas que estão a montante e a jusante do processo de instrução: reuniões para preparar planos, reuniões para fazer planos, reuniões para avaliar os resultados dos planos e relatórios para dar conta da avaliação dos planos.
O ‘eduquês’ é uma forma de burocracia pedagógica que alimenta e se alimenta da complexidade. Gosta de siglas, usa uma linguagem hermética, incorpora estrangeirismos e exprime-se num discurso redondo.
Em vez de valorizar o processo de transmissão do conhecimento científico, centra-se na manipulação política dele. Alimenta-se de uma cultura de ressentimento contra os padrões culturais e as tradições do Ocidente. Valoriza o exótico, o que nos é distante e o que não é nosso. Faz da escola um instrumento de engenharia social em nome de uma igualdade fabricada que esmaga o mérito e desconfia da excelência. Padece de 10 pecados mortais:
1. Concepção instrumental da educação: "aprender a aprender", "aptidão para o pensamento crítico", "aptidões metacognitivas", "aprendizagem permanente".
2. Desenvolvimentalismo romântico: "escola centrada na criança", "diferenças individuais dos alunos", "ensinar competências e não os conteúdos".
3. Pedagogia naturalista: "construtivismo", "aprendizagem por descoberta", "aprendizagem holística", "método de projecto", "currículo em espiral", "aprendizagem temática".
4. Antipatia pelo ensino de conteúdos: "os factos não contam tanto como a compreensão", "os factos ficam desactualizados", "menos é mais", "aprendizagem para a compreensão".
5. A desvalorização dos padrões culturais tidos como relativos e subjectivos, portanto irrelevantes.
6. Crítica do uso da memória e recusa das actividades de repetição, tidas como não significativas, portanto inúteis.
7. Defesa da ideia falsa de que as crianças só compreendem o que lhes está próximo e o que é concreto e manipulável.
8. Primazia à componente lúdica e recreativa por oposição à valorização do esforço na aprendizagem.
9. Redução da aprendizagem a um processo construtivista que diminui a função de transmissão dos conteúdos.
10. Visão anti-intelectualista da cultura e da educação.”
Apache, Outubro de 2011

sábado, 1 de outubro de 2011

“Bolos para o IPCC/ONU, morte para os africanos”

Num comentário ao artigo intitulado “Comida para todos”, da autoria de Olivier de Schutter, Relator Especial da ONU para o direito à alimentação, publicado a 11 de Abril de 2011 no Jornal de Negócios, o professor Igor Khmelinskii (Físico, de formação académica) da Universidade do Algarve escreve, no seu blogue “Clima Virtual vs Real”:
«O autor dedica a maior parte do artigo à apresentação das medidas, que embora façam todo o sentido, dificilmente seriam implementadas pelos países da G20, em benefício das nações pobres, pois as próprias G20 sofrem as consequências da crise financeira e das desastrosas políticas ambientais e energéticas que estão a implementar, não dispondo por isso de possibilidade de ajudar as nações pobres.
Por outro lado, o autor mostra uma incompetência profissional surpreendente para quem é supostamente um perito na matéria, passo a citar:
"... No futuro, espera-se que as alterações climáticas conduzam a mais choques na oferta..." Falso. As mudanças climáticas são periódicas, razão pela qual o clima do futuro não será diferente do clima de um passado não tão longínquo como isso.
“... Mas a agricultura também é uma grande culpada pelas mudanças climáticas, responsável por 33% de todas as emissões de gás com efeito de estufa..."
Falso. Não são os gases com efeito de estufa que provocam as mudanças climáticas, mas sim as alterações de actividade solar, sendo estas também periódicas.
Entretanto, em nada nos surpreende a publicação deste artigo no JN, bem conhecido pela propaganda desenfreada de ideologia misantrópica de eco-terrorismo, dirigido tanto contra as nações pobres, como contra as nações desenvolvidas e ricas.
Ora o autor não consegue perceber que o dióxido de carbono atmosférico beneficia a agricultura, aumentando os rendimentos sem quaisquer gastos adicionais, razão pela qual precisamos de mas CO2 na atmosfera. Por outro lado, não precisamos de reduzir as emissões de CO2 nem de qualquer outro gás com efeito de estufa, pois as suas consequências climáticas negativas existem apenas nas mentes delirantes dos peritos climáticos do IPCC/ONU e nos seus modelos de um sistema climático virtual, inteiramente ilusórios e enganadores, que nada têm a ver com a nossa realidade.»
Bem-vindo ao mundo real (também chamado: “dos cépticos”), professor.
Apache, Outubro de 2011

sexta-feira, 30 de setembro de 2011

Buraco argumentativo

Quando o “buraco” da Madeira é a melhor desculpa que arranjam para justificar a “cratera” continental, torna-se escandalosamente evidente o “elevado” QI dos nossos governantes.
Apache, Setembro de 2011

sábado, 24 de setembro de 2011

“Desculpe o auê”

Valter Lemos (por favor, não comecem já a rir) escreve (ou provavelmente alguém por ele) hoje, no Expresso, em defesa do Programa Novas Oportunidades, projecto que maquinou com Luís Capucha e que o actual Ministro da Educação, Nuno Crato, mandou avaliar. Por esta altura estão os hipotéticos leitores a sentirem uma certa urticária antevendo que me preparo para comentar o texto atribuído ao ex-Secretário de Estado da Educação. Vamos lá a ter calma e a respirar fundo… Ok! Agora pensem lá se faz algum sentido comentar textos de quem ainda não aprendeu a argumentar?
Bom, agora que os hipotéticos leitores estão mais descansados, resta-me deixar um pequeno conselho que, talvez, uma alma caridosa possa fazer chegar ao senhor doutor por Boston: Valter, o conceito de “ciúme social” (não é que não soe bem para título de uma música pimba mas) deixará de te fazer sentido no dia em que aprenderes a pentear-te e a escolher as peúgas.
Apache, Setembro de 2011

segunda-feira, 19 de setembro de 2011

A frase da semana

“O Dr. Seguro (…) promete estatismo a um país arrasado pelo estatismo assumido do seu partido e hoje governado pelo estatismo envergonhado dos partidos ditos à direita.”
Alberto Gonçalves, no Diário de Notícias

domingo, 18 de setembro de 2011

Disparates à moda da OCDE

«Hoje voltou à baila a questão das Novas Oportunidades e voltaram a falar governantes anteriores (não seria melhor haver um período de nojo?). O tema foi propiciado pela notícia de que no Relatório da OCDE "Education at Glance 2011" Portugal aparece, com 96%, em 1.º lugar de entre os países analisados no que respeita à taxa de finalização do secundário (o indicador que faz notícia é o A2). Como se calcula? Divide-se o número de diplomas passados a quem quer que seja do 12º ano pelo número de jovens com 17 anos. Ora acontece que cerca de um terço (34%) são diplomas a pessoas maiores de 25 anos das Novas Oportunidades passados, como se sabe, de qualquer maneira. Poderiam até ser mais e a nossa taxa de sucesso ultrapassar alegremente os 100%. Foi precisamente de 34% o nosso aumento relativamente a 2008, isto é, a taxa de sucesso normal no secundário não teve praticamente nenhuma variação. Isso dever-nos-ia fazer reflectir um pouco. Não há caso de nenhum outro país com 34% de diplomas passados de qualquer maneira a quem quer que seja. E isso dever-nos-ia também fazer reflectir um pouco. O relatório traduz o nome da iniciativa política do governo anterior para "New Opportunities". Mas, de facto, a expressão portuguesa não tem tradução possível, porque lá fora ninguém faz o mesmo.»
Professor Carlos Fiolhais, na passada terça-feira, no blogue “De Rerum Natura”

segunda-feira, 12 de setembro de 2011

Em jeito de (primeiro) balanço (2)

“Confesso que nos primeiros dias do Governo aguardava com expectativa os anúncios de diminuição da despesa pública. Agora aguardo-os com pavor. De cada vez que um ministro ameaça reduzir os gastos do Estado acaba a aumentar os gastos do contribuinte com o Estado. Há dias, Vítor Gaspar prometeu "cortes brutais" e apresentou um reforço dos impostos (na electricidade e no gás). O primeiro item ficou mais uma vez adiado para um futuro vago, afinal o nosso. Corre por aí que as sumidades que nos tutelam precisam de tempo. Desgraçadamente, não temos nenhum. Perdemos seis anos a ver as sumidades precedentes arruinarem o país com frontalidade. Não convinha ver as sumidades actuais prolongarem dissimuladamente a ruína.”
Alberto Gonçalves, no “Diário de Notícias”

domingo, 11 de setembro de 2011

Em jeito de (primeiro) balanço (1)

“Que temos, dois meses depois? Pensões e salários violentamente tributados, dividendos e transferências para os offshore isentadas. Dez por cento do PIB nas mãos dos 25 mais ricos, cujo património aumentou 17,8 por cento. Impostos e mais impostos, que juraram não subir e de que se serviram para correr com o outro. Aumentos brutais do que é básico, da saúde aos transportes, passando pela electricidade e gás. Venda em saldo do BPN, sem direito sequer a saber os critérios da escolha da proposta mais barata, depois de todos nós termos subsidiado com 2.400 milhões de euros, pelo menos, vigaristas, donos e falsos depositantes. Afã para vender a água que beberemos no futuro. Quinhentas nomeações para a máquina do Estado, cuja obesidade reprovavam. Abolição da gravata. Espionagem barata com muito, mesmo muito, por esclarecer. Descoberta de um caixote de facturas não contabilizadas no esconso de um instituto em vias de fusão. Início da recuperação do TGV, antes esconjurado. Promessa de bandeirinhas nacionais em tudo o que se exporte. Um presidente que se entretém no Facebook, cobardia colectiva e mais uma peregrinação reverencial à Europa, que o primeiro-ministro inicia hoje. A tesouraria do Estado necessitou da troika. Mas o país dispensava o repetido discurso de gratidão subserviente de Pedro Passos Coelho. Aquilo a que ele chama ajuda é um negócio atípico. Atípico pelos juros invulgarmente altíssimos e atípico por o prestamista se imiscuir violentamente na vida do devedor, a ponto de ter tornado o Governo de um país com mais de 800 anos de história, outrora independente, num grémio administrativo de aplicação do acordo com a troika. (…)”
Santana Castilho, no “Público” de 31 de Agosto

terça-feira, 6 de setembro de 2011

E se alguém sugerisse mais um imposto?

O bastonário da Ordem dos Médicos, José Manuel Silva, sugeriu a criação de um imposto sobre a comida-rápida (“fast-food”) e aquilo que denominou de “dezenas de variedades de outro lixo alimentar” (o que quer que isso signifique no linguajar do senhor doutor), imposto esse que serviria para financiar o Serviço Nacional de Saúde compensando os cortes previstos.
Diz ele que “um duplo cheeseburger e um pacote de batatas fritas equivalem a 2200 calorias e é preciso uma maratona” para queimar estas calorias.
Ponto 1- Duas mil e duzentas calorias são uma quantidade ínfima de energia. Calculando a minha Taxa Metabólica Basal (quantidade de energia necessária para, em repouso, manter as funções básicas do organismo) pela fórmula sugerida pela Organização Mundial de Saúde obtenho o valor de um milhão novecentos e oitenta e uma mil calorias, pelo que, as 2200 calorias que refere são queimadas em um minuto e trinta e seis segundos, de sesta. Claro que, provavelmente, quando o douto cavalheiro refere 2200 calorias na realidade pretende dizer 2200 quilocalorias (que é o mesmo que dois milhões e duzentas mil calorias).
Ponto 2- Dando, portanto, como adquirido que José Manuel Silva quis dizer que “um duplo cheeseburguer e um pacote de batatas fritas equivalem a 2200 quilocalorias”, vejo-me na obrigação de corrigir o exagero que cometeu. Ao consultarmos a tabela de nutrientes fornecida pela McDonald´s (revista há cerca de 15 dias), somando as 440 quilocalorias de um duplo cheeseburguer com as 500 quilocalorias de um pacote de batatas fritas grande (230 se o pacote for pequeno) chegamos a 940 quilocalorias. Menos de metade do propalado pelo doutor. Mesmo considerando que o senhor Silva se referia a um menu completo, acrescido de sobremesa, temos mais 310 quilocalorias de uma coca-cola grande (150 se for pequena) e mais 230 quilocalorias de um gelado (grande) de caramelo, o que perfaz um total de 1480 quilocalorias (no caso de estarmos perante um menu pequeno acrescido de sobremesa, o total é de 970 quilocalorias). Lembro ao senhor doutor que, mesmo nos restaurantes de comida-rápida há sopas, saladas, águas e bebidas “lighht”, à medida de quem, mesmo para usar o cérebro, denota relevante preguiça.
Ponto 3- O doutor Silva acha que se é possível ingerir muitas calorias por pouco dinheiro o melhor é o Estado colocar mais um imposto para que a comida fique mais cara. A sua máxima parece ser: antes passar fome que comer barato.
Imaginemos, por absurdo, que um outro douto, do “calibre” do senhor José Manuel Silva, sugeria um imposto extraordinário (que funcionaria como uma espécie de Taxa Moderadora) a incidir sobre as idiotices ditas em público por titulares de cargos de relevo. Qual seria o resultado? O Estado dispunha de fonte adicional de receita, o senhor bastonário (e muitos outros “eruditos”) veria o fisco penhorar-lhes as peúgas.
Apache, Setembro de 2011

quinta-feira, 1 de setembro de 2011

Que pobreza de cenário

Às treze horas e onze minutos, do dia 25 de Agosto de 2011, no Primeiro Jornal, da Sic Notícias, a jornalista Cândida Pinto relata, em directo, deitada no chão do terraço do Hotel Coríntia, em Tripoli, um tiroteio, a ocorrer junto ao hotel onde se encontram os jornalistas. O vídeo está (por enquanto) disponível aqui. Às treze horas e dezasseis minutos, do mesmo dia, igualmente em directo, no mesmo terraço de hotel, atrás do mesmo arbusto, o enviado da RTP à Líbia, Paulo Dentinho relata o mesmo suposto ataque, alegadamente perpetrado por forças leais a Kadhafi. O vídeo do Jornal da Tarde está (para já) disponível aqui. Alguém dispara contra o hotel onde estão alojados os jornalistas, não identifica qualquer alvo, gasta munições apenas porque lhe apetece. É comum vermos, nas notícias, populares dispararem para o ar, em actos alegadamente festivos. Não são militares, não sabem quanto custa uma “brincadeira” destas.
Neste caso, diz-se que os pretensos militares disparam contra o hotel e os jornalistas expõem-se (alegada e) irresponsavelmente ao perigo. “Montam” o cenário e entram e saem de cena, uns após outros, debaixo de fogo “real”. Fazem-no como se de um palco de teatro se tratasse. Os tempos são de crise, o cenário é pobre, o “romance” é de cordel, mas podiam ter tirado dali a garrafa de água. Ou seria o patrocínio?
Apache, Setembro de 2011

sexta-feira, 26 de agosto de 2011

De erro em erro

«O dr. Passos Coelho jurou há um mês que o Governo não gozaria de férias para que, cito, "o essencial das decisões a aplicar possam ser aplicadas". Descontado o erro de concordância, resta o erro da previsão: o Governo entrou de férias. O dr. Passos Coelho anunciou as suas no Facebook, presumindo, talvez acertadamente, que os cidadãos não têm mais o que fazer do que brincar nas ditas redes sociais. O dr. Passos Coelho não se limitou ao anúncio, mas publicou no Facebook toda uma mensagem "oficial", intitulada "Uma pequena reflexão de Verão" e destinada às "Caras amigas e amigos".
Descontado o erro de concordância, resta o uso aparentemente aleatório de iniciais maiúsculas. O dr. Passos Coelho refere o "nosso Grande Desafio como nação e como povo" como se o "Grande Desafio" fosse uma entidade autónoma e reconhecida no notário, refere a "Sociedade Portuguesa" como se o conceito beneficiasse de estatuto formal e refere "que a instabilidade no sistema Financeiro Europeu e Americano são travões para um percurso já de si cheio de sacrifícios", como se de facto não soubesse escrever.
Descontado o erro de concordância, resta o tom simultaneamente épico e vazio da pequena reflexão. A pensar no Algarve, o Dr. Passos Coelho espraia-se por clichés grandiloquentes, desde "Este é o momento!" até "olhar o futuro com confiança e optimismo", passando por "somos um povo de vencedores que nos agigantamos perante as maiores adversidades".
Descontado o erro de concordância, resta a sensação de que tudo isto já havia sido dito e de que o oposto de tudo isto já havia sido feito. Inevitavelmente, o fervor nacionalista irrompe sempre que a nação rasteja: se olharmos o futuro, aquilo que vemos a agigantar-se é o desastre, destino que dificilmente será evitado por um primeiro-ministro débil na palavra e nas palavras. Para cúmulo, meia dúzia de semanas bastaram para que, à semelhança do velho, o novo poder tomasse cada dissidência à conta de manifestação anti-patriótica, pressuposto que, a ser respeitado, faria que ainda fôssemos castelhanos.»
Alberto Gonçalves, no “Diário de Notícias” de 11 de Agosto

terça-feira, 23 de agosto de 2011

“Um neoliberal é isto, Álvaro!” (2)

«HanusheK, economista da Educação por quem Nuno Crato tem grande apreço e trouxe recentemente a Portugal, foi dos primeiros a apontar a “falta de incentivos mercantis” (Journal of Human Resources, Junho de 1979) quando analisava a eficiência em Educação. Atente-se bem à semântica da expressão, não descuidada num académico com a responsabilidade dele. Mercantil é um adjectivo que se refere ao comércio, à mercancia, coisa bem afastada do objecto da Educação, suponho eu. Se tomarmos o vocábulo em sentido figurado, diz-se daqueles que perseguem só ganhos materiais, que são interesseiros e meros especuladores. A génese da avaliação do desempenho pode ser facilmente compreendida por quem a estude a partir da segunda metade do século passado, quando tomou relevância a preocupação política e económica de analisar em detalhe os custos de produção do serviço público de Educação. Por o ter feito, por a ter abordado na prática, em experiências e projectos de natureza educacional e empresarial, compreendo-a bem, rejeito-a como panaceia para a melhoria da qualidade da Educação e lamento que os professores e a sociedade em geral a aceitem como os crentes aceitam os dogmas, isto é, com reverência sacra. A avaliação do desempenho tornou-se um instrumento de uma concepção tecnocrática de gestão. A prática de modelos estereotipados para a realizar está estudada e reprovada pelo balanço dos resultados. Assim, a grande alteração que ficou por fazer foi desistir dela. O processo deveria ser indissociável da avaliação do desempenho de cada escola, depois de alterar radicalmente o modelo de gestão vigente. É estúpido avaliar com as mesmas referências e medidas o que é radicalmente diferente. É estúpido impor a todos o mesmo processo. É estúpido confundir a Educação com a actividade mercantil. Sei que incorro na fúria de muitos. Mas é o que penso e o que considero essencial. Tudo o mais é acessório, embora relevante, por ser tomado por essencial. Posto isto, vejamos, então, o acessório. Isenta-se da avaliação cerca de um terço dos docentes em exercício. Esperta malha. Calam-se muitos. Reduz-se o número de aulas a observar e, com isso, custos enormes e logística disforme. Pouco importa que se recupere, implicitamente, o conceito de professores titulares e que vá às urtigas o rigor do ministro e o que resta da coerência do seu discurso. Quotas viram percentis. Boa jogada! É mais erudito, ou não fora o ministro um mestre em Estatística e o secretário de Estado do Ensino e da Administração Escolar um anterior defensor da avaliação de Maria de Lurdes Rodrigues. E neste ambiente em que todos começam a fazer de conta que não foram o que foram e não disseram o que disseram, faz de conta que as quotas desapareceram. Como reclamavam os sindicatos. Se assinarem rápido o papel, substituam “acordo”, de má memória, por um sinónimo. “Ajuste directo” ou “conúbio” seria perfeito e adequado aos tempos!» Se afastarem a espuma, encontram o mesmo disfarce ideológico, que visa condicionar a independência intelectual e profissional do exercício da docência: pela precarização da profissão (fala Crato de assistir os “novos” isentando os “velhos”, ignorando que muitos dos “novos” têm 10, 15 e até mais anos de exercício); pela proletarização da profissão; pela persistência da desconfiança militante na classe; pelo refinamento dos padrões de desempenho, como se professor fosse sapateiro (sem desprimor para com tal ofício). Também isto, Álvaro de Vancouver, o ajudará a saber o que é um neoliberal.
Santana Castilho, no “Público” de 17 de Agosto

domingo, 21 de agosto de 2011

“Um neoliberal é isto, Álvaro!” (1)

«1- O Álvaro, que veio do Canadá para pôr a economia do país na ordem, disse na Assembleia da República que não sabia o que era um neoliberal. Agostinho Lopes ensinou-o assim: “…É alguém que tem três axiomas com que justifica tudo: globalização, revolução científica e técnica e competitividade. É alguém que tem três mandamentos sagrados: privatizações, liberalização dos mercados e desregulamentação dos mecanismos de orientação económica. E tem um único instrumento como variável de ajustamento dos desequilíbrios: o preço do trabalho …”. A lição dada ao Álvaro, se complementada com a compulsão para aumentar impostos e taxas, faz uma bela síntese da actividade do Governo até agora. 2- O ministro das Finanças também precisa de uma lição que o esclareça sobre o que é uma conferência de imprensa. Convocada uma, que se supunha para anunciar os cortes na despesa, proibiu as perguntas e prendou-nos com mais aumentos, agora na electricidade e no gás. A subserviência à troika deixou à dita a missão soberana de, finalmente, esclarecer os indígenas sobre o desvio colossal, a solver com mais confiscos colossais. Aproveitando a inércia, Passos Coelho foi lesto no “Pontal”: preparem-se que vem aí muito mais e, por favor, não estrebuchem, porque o inferno espreita. Quanto ao corte na despesa, é esperar até Outubro. Antes, Passos tem que ultimar a oferta do BPN a Isabel dos Santos e companhia, resolver o bónus da TSU e escolher quem vai abocanhar a TAP, a RTP, os CTT, as Águas de Portugal e um naco da CGD, tudo a preço de saldo e em nome do inferno que espreita. 3- Para os que ainda tinham dúvidas, chegou a definitiva dissipação: a regulamentação da avaliação do desempenho dos professores, agora apresentada, é tão-só o “Simplex 3” do modelo de Maria de Lurdes Rodrigues, que sucede ao Simplex 2 de Isabel Alçada. Definitivamente, há uma nota que sobressai, por maior que seja a esperteza para a dissimular: continuar a política que privilegia a diminuição do preço do trabalho.»
Santana Castilho, no “Público” de 17 de Agosto

sexta-feira, 5 de agosto de 2011

Foi-se mais um moscardo mas o excremento, senhores…

Na passada segunda-feira, o Secretário de Estado do Emprego, Pedro Silva Martins, e a Secretária de Estado do Ensino Básico e Secundário, Isabel Leite, reuniram com o Presidente da Agência Nacional para a Qualificação (ANQ), Luís Capucha, tendo-lhe comunicado que não seria renovada a sua comissão de serviço, não sendo, portanto, reconduzido no cargo. Recorde-se que a ANQ é a entidade responsável pelo Programa Novas Oportunidades (NO) e que no passado dia 16 de Maio (em plena campanha eleitoral) Pedro Passos Coelho se havia referido ao programa como sendo “uma mega produção que mais não fez do que estar a atribuir um crédito e uma credenciação à ignorância e isso não serve a ninguém”. Convém, a bem da qualidade do ensino, que todo o trabalho desenvolvido pela ANQ seja avaliado por uma entidade independente e que seja feita uma reforma profunda nas (NO). Como o Professor Paulo Guinote bem retratou, num texto que aqui repliquei [e do qual destaco este excerto: “a dupla (…) que eu designaria por Capucha-Lemos connection e que, fugindo à esfera mais restrita da tutela da Educação, conseguiu, com um pé dentro e outro fora do ME, criar um feudo com um poder imenso que se prepara para continuar, verdadeiramente, a revolucionar os percursos escolares dos portugueses, construindo sucesso a todo o custo, mesmo que seja cilindrando tudo o que se lhes oponha. (…) O que se está a passar é a contaminação completa do Ensino Secundário pelo espírito NO, depois do Básico ter sido modelado à imagem das teorias do direito ao sucesso que Lemos debitou desde o início dos anos 90, na altura a partir do Instituto de Inovação Educacional e que Capucha abraçou como sendo o mecanismo ideal para um teórico nivelamento social, que nega ser pela bitola baixa, que nenhum estudo comprova ter funcionado como fomentador de qualquer mobilidade socioprofissional. (…) Ambos querem transformar o sistema educativo público numa imensa rede de certificação, com 110% de sucesso garantido à nascença. Movendo-se numa pouco discreta sombra, num claro-escuro que não oculta a vaidade e presunção, a Capucha-Lemos connection constitui-se como o verdadeiro soviete revolucionário da Educação Nacional. Temei… porque esta é uma forma de terror educacional… ”] Luís Capucha (Presidente da ANQ) e Valter Lemos (primeiro, como Secretário de Estado da Educação, depois, com Secretário de Estado do Emprego, nos dois anteriores governos) construíram um tal monte de esterco que, uma vez posto a rolar, tudo tem conspurcado à sua passagem, pelo que, não basta (como parece ir acontecer com a Avaliação do Desempenho Docente) terem-se afastado os moscardos (em actos de mera substituição de boys em cargos nomeação política) impõem-se que se comecem (urgentemente) a remover os excrementos.
Apache, Agosto de 2011

sábado, 30 de julho de 2011

Escabeche

“Se eu mandasse, toda a gente era autarca uma vez na vida. Infelizmente, como os mandatos autárquicos chegam a durar 40 anos, nem toda a gente teria uma esperança de vida que lhe permitisse aguardar a sua vez. Mas parece-me evidente que a gestão de uma autarquia rejuvenesce. Aponto como exemplo Fernando Ruas, presidente não só da Câmara de Viseu como também da associação de municípios, e que, aos 62 anos, não tem ainda um único cabelo branco. Há qualquer coisa no trabalho autárquico que protege a saúde de quem o executa. Creio que é a absoluta ausência de preocupações. O autarca, em princípio, sabe que não há nada que o apanhe. Se fizer falcatruas, em princípio não é condenado. Mas, se for condenado, mais depressa é reeleito. Se for reeleito, não pode ir preso. Mas, se for preso, foge para o Brasil. O destino do autarca oscila entre o poder perpétuo e o turismo tropical. São ‘minimonarquias’ que podem ser interrompidas por ‘miniexílios’ dourados. Além disso, a actividade autárquica é isenta de stresse, como pôde voltar a constatar-se esta semana: todo o País está absorvido pelos problemas do desemprego, da crise da dívida, do décimo terceiro mês e da bancarrota, mas a Câmara Municipal do Fundão não deixa que essas pequenas preocupações a afectem, e tem tempo para tratar dos grandes assuntos. E decidiu processar a organização do concurso gastronómico 7 Maravilhas por uma infracção culinária. Ao que parece, a perdiz de escabeche, que a edilidade do Fundão garante ser originária de Alpedrinha, vai apresentar-se a concurso como se fosse - e peço ao leitor que contenha a revolta e a indignação - de Idanha-a-Nova. Assim que a Câmara do Fundão percebeu que ia ser espoliada da perdiz de escabeche entrou em acção e fez, aliás apropriadamente, um escabeche. De acordo com o Expresso, a Câmara ameaça "accionar todos os meios legais que se encontrem disponíveis e se afigurem necessários e pertinentes". Sossega-me saber que, de acordo com este comunicado, a Câmara não pretende accionar meios legais que não se encontrem disponíveis. Já não é mau. Mas a intenção de recorrer a todos os disponíveis faz antever uma batalha legal longa e violenta: quem tenha vagar para ir à procura, encontra, na legislação portuguesa, uma vastíssima gama de meios apropriados para a defesa das vítimas da deslocalização dos pratos de caça. O Código Civil dedica dois capítulos a este flagelo, e há uma subsecção que regulamenta em especial os escabeches. O perpetrador do crime que se cuide. O ‘desperdizamento’ da Câmara do Fundão não passará impune.”
Ricardo Araújo Pereira, na “Visão” da passada quinta-feira