"Às vezes um ministro engana-se e diz que está em Mafamude quando na realidade se encontra em Gulpilhares. A oposição não perdoa: manifesta indignação porque são duas freguesias de Vila Nova de Gaia absolutamente inconfundíveis, condena a ofensa sem nome que foi feita à boa gente de Gulpilhares (e, até certo ponto, também à de Mafamude), chama o ministro ao Parlamento para que justifique o lapso inaceitável, exige ao chefe de Governo que demita o ministro e ao Chefe de Estado que convoque eleições antecipadas com carácter de urgência.
Agora, que recaem suspeitas graves sobre José Sócrates, o PSD veio dizer que tem toda a confiança institucional no senhor primeiro-ministro, Luís Nobre Guedes, do CDS, manifestou apoio e solidariedade e o resto da oposição não disse nada de especial. Quando rebentou o escândalo BPN, foi parecido. Era difícil distinguir a lista de envolvidos nos negócios pouco claros do banco de um conselho de ministros do Governo de Cavaco Silva. O sonho de qualquer militante do PS. E que disse o PS? Nada de especial. Parece evidente que a melhor maneira de promover a concórdia e a cooperação estratégica dos principais partidos é acusar os seus dirigentes de ilícitos graves. Os adversários políticos não perdoam a quem comete lapsos menores, mas dão a mão a quem é acusado de delitos graves. São feitios.
A campanha negra, a existir, aparenta ser fruto de geração espontânea. Não há quem não repudie o ataque cobarde e ignóbil a José Sócrates, e andar simultaneamente a orquestrar e a repudiar o ataque seria especialmente cobarde e ignóbil. Mesmo para políticos. Em todo o caso, mais do que investigar o caso Freeport, eu gostaria que fosse investigada a campanha negra sobre o caso Freeport. Os conspiradores, se existem, devem ser detidos. E, depois, condecorados. Isto porque esta campanha negra, na eventualidade de ser real, é a iniciativa mais bem planeada, organizada e executada da política portuguesa. Portugal precisa de gente com este talento e esta capacidade de trabalho na vida política. São profissionais competentes na política, porque sabem escolher os factos mais delicados e a altura mais prejudicial para os revelar, são fortes na diplomacia e nos negócios estrangeiros, pela facilidade com que envolveram a polícia inglesa, e são rigorosos a ponto de desencantarem mails com mais de três anos quando eu tenho dificuldade em lembrar-me dos que recebi ontem. Menos dos que incluem fotografias de senhoras nuas. É possível que os autores da campanha negra sejam os melhores políticos portugueses das últimas cinco ou seis décadas."
Ricardo Araújo Pereira, na “Visão” do passado dia 5 de Fevereiro