Ainda a propósito do desempenho dos alunos portugueses nos últimos testes PISA, em jeito de resumo do que pela “blogosfera”, e não só, se escreveu, deixo o texto do professor Santana Castilho, no jornal Público, de hoje.
“Assentou a poeira e desfez-se a espuma dos dias. É tempo de analisar as mentiras, recordar os factos e partilhar perplexidades.
Andreas Schleicher, director do PISA, é claro quando diz ao que o programa veio: medir quanto “value for money” (conceito económico que exprime a utilidade do dinheiro despendido) resulta dos sistemas de ensino em análise. O PISA não se ocupa de determinar e comparar todo o conhecimento que deriva dos vários domínios curriculares. O PISA centra-se na capacidade para resolver problemas básicos, detida por jovens com idades compreendidas entre os 15 anos e quatro meses e os 16 anos e quatro meses. Sendo de inegável utilidade, este quadro é redutor porque deixa de fora valências humanistas e culturais dos sistemas de ensino. Merece alguma reflexão ver democracias líderes do desenvolvimento tecnológico e científico mundial (Alemanha, França, Reino Unido e USA) remetidas para posições modestas no PISA, enquanto um sistema ditatorial se guinda ao primeiro lugar do ranking (Xangai).
Com a ressalva supra, é incontestável a importância de todo o manancial de informação que o PISA proporciona. Mas a contrapartida para esse benefício está a tornar-se perniciosa: as orientações que dele emanam têm vindo a ser aceites com uma preocupante atitude reverencial. Os resultados obtidos pelos estudantes portugueses em 2009 melhoraram muito e isso é bom. Mas onde estamos? No último terço da tabela dos 33 países da OCDE. Abaixo da média em todos os domínios considerados (489 pontos em leitura, 487 em Matemática e 493 em ciências, para médias da OCDE de 493, 496 e 501, respectivamente). E tudo isto por referência a 698 pontos possíveis. Cerca de 19 por cento dos nossos estudantes não souberam justificar por que devem lavar a língua quando lavam os dentes, sendo certo que a resposta estava contida no texto do teste; 23,7 por cento não souberam fazer uma simples conversão cambial; e nas ciências, 16,5 por cento não responderam a uma pergunta de nível 1, o mais baixo dos 6 cotados. Justifica isto a histeria de Sócrates e dos cronistas do regime e a recuperação de defuntos políticos? A propaganda lida mal com os factos. Mas eles existem. Continuemos a recordá-los.
Sócrates disse que os resultados de 2009 são fruto:
- Das políticas começadas em 2005 e do trabalho de Maria de Lurdes Rodrigues. Falso. Os jovens que responderam aos testes pertencem à primeira geração positivamente condicionada pela generalização do pré-escolar, promovida por Marçal Grilo, e conheceram 4 ministros da educação, que Sócrates olimpicamente ignora (Santos Silva, Júlio Pedrosa, David Justino e Carmo Seabra).
- Da introdução da banda larga e dos computadores portáteis. Falso. Os jovens testados não fruíram do programa “Magalhães”. Na análise dos resultados de 2009, o PISA estabelece uma correlação entre os resultados e dois indicadores: o acesso à internet e a posse de uma biblioteca em casa. E que verificamos? Que os possuidores de biblioteca superam em cerca de 20 pontos, em todos os domínios medidos, os que só têm acesso à internet.
- Do modelo de avaliação do desempenho dos professores de Lurdes Rodrigues. Falso. Todos sabem que tal coisa não foi aplicada até 2009.
- Do novo regime de gestão das escolas. Falso. Todas as escolas frequentadas pelos alunos testados foram ainda geridas sob o antigo sistema, isto é, por conselhos executivos eleitos pelos professores.
Mas a cereja em cima da pisa deste contexto de manipulações primárias radica nas legítimas suspeições que a amostra portuguesa suscita. Deveria ser aleatória e estratificada. Mas tudo indicia que não foi. Só o conhecimento da listagem das escolas e dos alunos seleccionados apagaria a suspeita que detenho e assim fundamento:
- Terão sido inicialmente indigitados 8480 alunos. Podem subsistir exclusões (falta de autorização parental, insuficiente domínio linguístico ou deficiências profundas). O relatório técnico da OCDE diz que a sua taxa média de exclusão foi 3,32 por cento e que a portuguesa foi 1,5 por cento. Mas terão respondido apenas 6298 alunos. A taxa de exclusão salta assim para uns anormais 25,73 por cento. Que aconteceu a 2182 alunos?
- Fica gravemente comprometida a representatividade de uma amostra quando se treinam alunos e professores para responder aos testes do PISA. O próprio organismo responsável pela administração do PISA em Portugal, o GAVE, confessa-o a páginas 36 e 37 do seu relatório de actividades de 2009.
- O 10º ano é o adequado à faixa etária dos alunos testados. A proporção dos alunos do 7ºano (tri-repetentes) e do 8º ano (bi-repetentes) presentes na amostra de 2009 é bem menor relativamente à amostra de 2006. E os que frequentam o 10º e o 11º ano sobem consideravelmente na amostra de 2009. O peso das escolas privadas quase triplicou. Sendo inquestionável que estas circunstâncias têm enorme peso nos resultados, mandaria a transparência do processo que a OCDE não se escondesse atrás do Governo e este não invocasse estranhos contratos de confidencialidade com a OCDE, num sinuoso ciclo que só fomenta desconfiança.
- Ao mesmo tempo que o Eurostat revela que Portugal é o país da Europa com mais crianças pobres, que cantinas escolares matam fome em férias e aos fins-de-semana, a amostra portuguesa é composta por alunos que dizem ter 2 ou mais computadores em casa (mais de 70 por cento) e 2 automóveis (60 por cento), indicadores que superam as médias da OCDE e nos permitem questionar a validade da amostra.
Pisados, mas não estúpidos!”
Apache, Dezembro de 2010